Os efeitos tóxicos do chumbo usado na pesca, seja na forma de chumbeiras de pesca desportiva, seja na atividade industrial de pesca, foram demonstrados numa dissertação de mestrado defendida na Universidade de Aveiro (UA).
O orientador do trabalho académico, investigador do Centro de Estudos do Ambiente do Mar (CESAM), espera que esta primeira abordagem científica ao tema possa abrir o debate e sensibilizar a comunidade e o sector.
“É seguro dizer que o chumbo causou, nas duas espécies estudadas, uma condição conhecida no meio científico como stress oxidativo e provocou alterações de uma enzima envolvida na formação dos pigmentos sanguíneos que transportam oxigénio, pelo que pode diminuir a capacidade dos animais transportarem o oxigénio essencial para os seus tecidos e para as suas atividades”, explica o investigador Bruno Nunes, investigador do CESAM e orientador da dissertação de mestrado “Estudo dos efeitos toxicológicos decorrentes da libertação de chumbo a partir de artes de pesca”, defendida por Ana Sofia Gomes. O stress oxidativo está na base de múltiplas alterações adversas, desde envelhecimento a cancros.
Decorrentes do segundo efeito identificado na serradela e no mexilhão, duas espécies emblemáticas em estudos de ecotoxicidade, foram notadas alterações de comportamento, sobretudo na serradela, que podem tornar a espécie mais vulnerável a predadores e, portanto, alterar o equilíbrio do ecossistema, afirma ainda Ana Sofia Gomes.
O chumbo é um metal não essencial, que é considerado um tóxico ambientalmente persistente, e com elevada dispersão, devido à sua utilização para vários objetivos industriais e domésticos.
O investigador, que também é pescador lúdico, alerta para a relevância deste tema, pelo menos, a avaliar pelas dezenas ou centenas de pescadores que, em certos dias, exercem a atividade em simultâneo e em certas zonas do país, somando o número de chumbeiras (de 80 ou 100 gramas, normalmente) que cada um pode deixar no fundo, não conseguindo evitar que tal aconteça, e durante uma tarde – três ou quatro chumbeiras, dependendo das condições do rio/mar, se for na foz do rio Douro, por exemplo.
No entanto, Bruno Nunes salienta que a pesca lúdica, mais ou menos ocasional, é apenas uma das atividades que contribuem para este problema.
Os pesos de chumbo (chumbeiras) utilizados na pesca desportiva e comercial são, portanto, usados em largas toneladas anualmente e, posteriormente, perdidos e abandonados com frequência. Esta situação é particularmente preocupante em ambientes costeiros e estuarinos, locais onde se usam pesos maiores na pesca lúdica, pois os pesos de chumbo representam assim uma fonte considerável de contaminação persistente por este metal nestas áreas específicas.
Uma primeira abordagem científica ao problema
O trabalho teve como objetivo avaliar os efeitos agudos (96 horas) e crónicos (28 dias) do chumbo em duas espécies marinhas, a poliqueta Hediste diversicolor (serradela) e o molusco Mytillus spp. (mexilhão), ao nível dos seus comportamentos, mas também com base numa abordagem de biomarcadores. Testou-se a exposição a várias concentrações de chumbo na água, quer com chumbo diluído, quer com chumbeiras depositadas no ambiente similar ao ambiente marinho.
Embora não tenha sido esse o objetivo da sua dissertação, Ana Sofia Gomes considera ainda que será de esperar uma acumulação progressiva do chumbo na cadeia trófica, de presa para predador, tal como acontece com outros metais já estudados em termos de toxicidade.
Os dois autores referem que, na sequência de estudos sobre toxicidade do chumbo (usado na caça) nas aves, alguns países proibiram o uso deste metal nesta atividade em concreto, dado que as aves podem confundir as pequenas esferas de chumbo que ficam no solo com alimento.
O investigador do CESAM lamenta que este problema ainda não seja discutido com a abertura que merece e espera que esta dissertação, uma primeira abordagem científica ao tema, possa alertar e despertar o necessário debate.
Texto e foto: UA