Artigo de Opinião

Greve-geral: maior do que o custo de parar o país é custo político para o Governo

08.12.202500:27
greve-geral 11 de dezembro 2025

O Governo, em especial Luís Montenegro e a Ministra do Trabalho, têm tentado desvalorizar ou impedir a greve-geral convocada pela UGT e CGTP para 11 de dezembro, porque sabem que o que está em causa não é apenas um dia de paralisação, por mais adesão que tenha.
Está em causa o respeito pelos direitos dos trabalhadores, colocado causa pela proposta de alteração da Lei Laboral, nesta incapacidade do Governo em conseguir um equilíbrio (necessário) entre o valor do emprego e a proteção do trabalho e do trabalhador. Está em causa a responsabilidade social do Estado, está em causa a importância do trabalho digno. Mas sobretudo, Luís Montenegro sabe que o custo político desta reação dos trabalhadores – subscrita pela própria estrutura dos TSD na UGT - é muito maior do que qualquer cálculo económico, qualquer folha de excel, que tragam para a praça pública para assombrar e desvalorizar a luta.

O argumento dos “impactos económicos” é frágil. O verdadeiro custo é político
Quando se fala em “perdas” para a economia do país, o Governo tenta transformar um protesto legítimo num problema técnico, numa inconveniência, num fantasma. Mas o que realmente assusta o Governo é o potencial de mobilização e a capacidade dos trabalhadores de diversas áreas, múltiplos setores e das diversas fações partidárias se unirem na crítica a uma clara tentativa da AD em destruir o direito ao trabalho. Este contexto expõe a fragilidade do poder político, a incapacidade de negociar (quando noutras circunstâncias, pelo menos a UGT, com mais ou menos dificuldade, acabava por segurar os acordos em sede de Concertação Social) a insatisfação real (agravada pelo “esconder” eleitoral deste objetivo político do governo), o receio acumulado quanto ao futuro.
Se a paralisação por um dia causa impactos económicos (na ordem dos 700 milhões e euros, segundo alguns estudos… mesmo esquecendo que o trabalhador também perde um dia de salário), o mal-estar social, a desconfiança e a revolta acumuladas não são contabilizadas. E essas feridas duram muito mais tempo do que os efeitos de um dia de paralisação para o país.

A greve é convocada conjuntamente pela UGT e pela CGTP e mesmo assim é apelidada como “política”?
Quando a própria UGT, tradicionalmente mais moderada, com raízes social-democratas, junta-se à CGTP para convocar a greve e declara que está “bem longe” de qualquer entendimento com o Governo, isso deveria ser lido como um alerta vermelho. Não é a só a “tradicional” esquerda radical a gritar: são todos os trabalhadores, públicos e privados, dos mais diversos setores da economia nacional.
Afirmar que esta é uma greve de “política” não é apenas impreciso. É má-fé, é um ato deliberado de deslegitimar o direito à greve e menorizar o descontentamento geral de quem trabalha. É uma tentativa de desvalorizar o instrumento do direito à greve e de transformar uma legítima reivindicação social (salários justos e iguais, condições laborais, dignidade profissional) num cálculo de conveniência partidária e governativa.

A proposta de reforma da lei laboral é um ataque ao trabalhador para beneficiar o "lucro".
O que se pretende com a nova lei laboral não é a modernização do trabalho: é a vassalagem aos interesses empresariais, através da redução de direitos, fragilização de vínculos, da promoção da precariedade.  Tudo em nome do mercado e do crescimento económico. Mas crescimento sem respeito e dignidade, não é progresso. Bem pelo contrário.
Contratos temporários, despedimentos fáceis, horários abusivos, insegurança, horários imprevisíveis… Esse não é o futuro de um país sério. É o plano de um Governo disposto a sacrificar o trabalho em nome do lucro.

Portugal: dos países europeus com menos greves, precisamente porque a greve é o recurso extremo
Há, neste campo do trabalho (como noutras áreas da responsabilidade social do Estado e da economia), quem goste muito de usar comparações com alguns países da Europa (normalmente quando dá algum jeito e se esconde o resto).
Segundo dados recentes do European Trade Union Institute, entre 2020 e 2023 Portugal perdeu, em média, apenas 8,9 dias de trabalho por 100.000 trabalhadores devido a greves. (fonte: jornal ECO)
Em contraste, países como a Finlândia e a Bélgica perderam mais de 142 e 93 dias, respetivamente, no mesmo período.
No suposto “país de paixões grevistas” - a França - o registo de dias perdidos por greves está muito acima do nosso. Isto reflete, claramente, que a greve em Portugal não é banal, é um último recurso.
Se os trabalhadores ocupassem a “rua” em Portugal como em Espanha, França, Bélgica ou outros países europeus, com a regularidade e intensidade a que estão habituados, talvez o(s) Governo(s) tivesse(m) mais respeito pelas trabalhadoras e pelos trabalhadores em Portugal (nacionais ou estrangeiros). O facto de ser mais reduzido o recurso à greve em Portugal é também revelador de uma submissão estrutural e apatia social.

Negociação séria não é chantagem.
Aumentar, significativamente (diga-se), o salário mínimo, anunciá-lo, publicamente, para um patamar surrealista e populista, será sempre pouco se não houver garantias e dignidade no trabalho.
O Governo fala em aumentar o salário mínimo (muito mais do que o patamar acordado em 2024 para a legislatura) para valores entre os 1.500 e 1.600 euros (se tal fosse proposto por uma das centrais sindicais seria quase considerado como um “crime de lesa-pátria”), para além de um aumento do salário médio para patamares próximos dos 3.000 euros. Mas qual é o verdadeiro valor de um salário digno, se os contratos são precários, os horários caóticos, a segurança inexistente e a proteção social frágil?
Um salário mais alto (perfeitamente desejável e legítimo) não compensa os despedimentos sem justa causa, contratos temporários, falta de estabilidade, ausência de direitos básicos. O governo ao defender apenas o valor monetário, a mercantilização do trabalho, ignora o resto do valor da vida do trabalhador: família, saúde, tempo, dignidade, futuro.
O populismo do “sonho governativo” do aumento do salário mínimo para os 1.500 euros serve apenas para desviar a atenção das deploráveis propostas do Governo para alterar (reformar, dizem eles) a Lei Laboral. O que se vê é um oportunismo político e a sobrevivência governativa, não é um verdadeiro compromisso social ou uma sustentável reforma. E isto é, objetivamente, chantagem política.

A UGT está longe de um acordo e isso é que devia ser um motivo de reflexão para o Governo. Não para o “ataque” aos trabalhadores.
Quando a UGT convoca, ao lado da CGTP, uma greve-geral e empenha-se, fortemente, para o seu sucesso, apesar da sua tradição de diálogo e moderação, significa que o Governo falhou. Falhou em negociar, falhou em planear e reformar, falhou em ouvir. Quando sindicatos moderados recorrem à greve é porque já não há outro caminho. E isto devia ser um sinal de alerta para quem governa.
Se nem com os mais moderados se chega a acordo, como pretende este Governo negociar a sério com os todos os trabalhadores?

A greve é um instrumento legítimo. Restringi-la é atentar contra o direito.
O direito à greve não é um luxo. É um direito constitucional. É uma arma pacífica e democrática. Quem tenta condicioná-la, regulamentá-la para a inutilidade, para o conformismo, está a atacar esse direito e está a atacar a democracia e a coesão social.
Se a greve não causar impacto, perde força e sentido. Por isso, condicionar a greve, desmobilizar, intimidar, desvalorizar a contestação é, essencialmente, um atentado à própria essência da greve e à essência da luta dos trabalhadores.
A greve de 11 de dezembro não é um ato inócuo: é a expressão de uma sociedade preocupada, de trabalhadores que se veem “atacados” na relevância do seu contributo para a economia nacional. Porque a riqueza surge do valor do trabalho, de quem produz.
Não se trata apenas de um setor, de uma reivindicação salarial, de um dia de paralisação. Trata-se de milhares de trabalhadores da saúde, dos transportes, da indústria, da educação, do comércio decididos a lutar pelo seu futuro e das gerações mais jovens.

A greve-geral convocada para 11 de dezembro é, acima de tudo, um grito de dignidade coletiva. Um grito contra a precariedade, contra o lucro fácil, contra um governo que parece (ou quer, mesmo) não respeitar quem trabalha, contra o receio de um regresso “troikano” e “passista” de muito má memória.
O que o Governo teme não é a paralisação. O que teme é o despertar de um país que não aceitará a resignação, um país que entende que o valor do trabalho não se mede apenas em euros, mas em respeito, dignidade, igualdade e justiça.
Valores maiores do que qualquer, “legítimo” e devido, aumento salarial (que poderia e deveria ter sido proposto em qualquer outra circunstância e contexto).