Glória aos Vencedores. Honra aos vencidos.

Nos tempos idos da Grécia ou de Roma (bem) antigas, do poeta Homero ou do historiador Tito Lívio, enaltecia-se tanto a glória dos vencedores, como a coragem e a dignidade dos derrotados, sem que isso significasse desvalorizar a vitória ou desvirtuar a realidade derrotada.
A expressão “Glória aos vencidos. Honra aos vencedores” retoma vigor retórico e de “discurso de Estado” na França militar e imperial de Napoleão, no século XIX, espelhando a visão humanista e moral do confronto (à data, meramente militar… só mais tarde é usado no léxico político) sublinhando que a ética e a honra são independentes da vitória ou da derrota.
Caiu o pano sobre a campanha eleitoral e as eleições, por mais réplicas e tentativas de retorsões que alguns ainda querem suscitar. Terminou o tempo - intenso, nem sempre muito pacífico, mais agressivo que moderado ou tranquilo, confundindo-se crítica com falta de respeito ou julgamentos de carácter pessoal – de avaliar compromissos, programas, projetos, visões estratégicas, legados ou roturas, caminhos distintos de gestão municipal. Tudo o que se possa, agora, no day after, dizer sobre o assunto representa zero, não tem valor. Coisa distinta de continuar a olhar para Aveiro, para o país e o mundo, com o mesmo sentido crítico de há 21 ou 22 anos aquando do arranque do "Debaixo dos Arcos". E com o mesmo princípio: independência, sentido crítico, desalinhamento ou alinhamento em função do contexto e da realidade em causa, sem que isso signifique qualquer disrupção ideológica, programática ou partidária.
Podemos fazer alguns juízos, algumas reflexões, apresentar a realidade crua da aritmética e dos números eleitorais. São objetivamente normais e legítimos, mas sem que isso desvirtue o que é óbvio: a coligação PSD/CDS/PPM (que hoje, por força legal, se “desfaz”) venceu as eleições autárquicas 2025 no Município de Aveiro, sendo eleito Luís Souto de Miranda como presidente da Câmara Municipal (permitam-se apenas esta referência, sem qualquer menosprezo pelas Freguesias e pela Assembleia Municipal, apenas para poupar caracteres, espaço e tempo… até porque a Câmara é, por norma (e mal), a referência autárquica nas análises eleitorais).
Os aveirenses (55,16% dos cerca de 70 mil eleitores recenseados) escolheram este projeto autárquico e a sua equipa (39,35%... apesar de 56,65% o recusarem), validaram o legado deixado pelo ciclo governativo local anterior e escolheram Luís Souto para governar a autarquia, em detrimento do projeto do PS Aveiro e de Alberto Souto e da equipa escolhida (62,33% contra os 33,67% favoráveis). Não era esta a minha expetativa, o que esperava e desejava para Aveiro, mas a democracia, apesar de igualitária, nem sempre é justa (às vezes nem com ela mesma).
Não estou minimamente preocupado em adjetivar ou em saber se a realidade política autárquica em Aveiro é “mais ou menos agridoce”… não era a que eu queria, é a que a vontade de uma parte significativa dos aveirenses escrutinou e elegeu.
Haverá, naturalmente, muitas análises, muitas reflexões, muita procura de justificações e causas. Poderá ter havido alguns erros, mas houve, garantidamente, muitas virtudes (muitas mais virtudes do que desencantos) no empenho de todos (independentemente do lado) em valorizar as suas opções, os projetos em que acreditavam (e ainda acreditarão, de certeza).
Não tenho, por norma, o hábito, nem aprecio esse tipo de reflexões de avaliação dos resultados pelo que deveria ou poderia ter sido feito, pelo que correu menos bem. Encontrar causa que, muitas vezes, são mais o motivo para responsabilizações (e, infelizmente, tanta vezes para a “caça às bruxas”… ou aos bruxos). Esse tipo de análises, muito restrita e muito interna, no ciclo e espaço próprios, servirá mais para o próximo contexto eleitoral em 2029, do que terá impacto agora. Agora, está feito, está escolhido, está concretizado. Não há volta a dar.
O que importa - e importa muito – é refletir e planear a estratégia e o posicionamento em relação ao futuro de Aveiro, seja no Executivo da Câmara Municipal, na Assembleia Municipal, nas Assembleias de Freguesia e na Junta da União de Freguesias Glória e Vera Cruz.
O que importa é dar corpo ao legado que o Alberto Souto e a equipa do PS Aveiro deixaram nesta campanha e nestas eleições, principalmente no que isso possa significar para a melhoria da qualidade de vida e do bem estar dos aveirenses: o aumento do número de votos (+ 4.139 votos que em 2021 – apenas a 2200 votos da coligação que obteve menos 2.390 que em 2021 e perdeu a maioria), o aumento do número de vereadores (+1 vereador do que em 2021, com o mesmo número que a coligação), o aumento do número de eleitos para a Assembleia Municipal (+1 eleito do que em 2021 – mantendo o PSD e o CDS a maioria no parlamento local, juntado os presidentes de Junta), a conquista da Freguesia com maior densidade populacional do município (Glória e Vera Cruz), o registo como o partido mais votado para a Câmara Municipal nas duas freguesias mais populosas (a União de Freguesias Glória e Vera Cruz e em Esgueira), o esforço e o trabalho de todas as candidatas e de todos os candidatos às Assembleias de Freguesia. Isso é que importa alavancar, sublinhar, projetar e valorizar.
Se é certo que haverá, por força dos resultados e da vontade dos aveirenses, uma pressão forte na governação do Município sem maioria, também é certo que haverá uma pressão sobre a oposição, nomeadamente sobre o PS (já que o Chega, pelo que tem sido noticiado “venderá a alma ao diabo”… salvo seja) para que preserve e defenda o legado eleitoral que uma parte significativa dos aveirenses cedeu, se comprometeu e responsabilizou os eleitos do PS.
É, por isso, nem que seja para 13.040 eleitores aveirenses (33,67%), significativamente importante que o PS saiba gerir o seu posicionamento, a sua visão estratégica para o Município, saiba manter-se aos olhos dos aveirenses como uma alternativa consistente e fiável para o futuro de Aveiro e das suas gentes.
O caminho começa agora, por mais legado “agridoce” que Luís Souto pretenda, democrática e legitimamente, dar continuidade. Abre-se um novo ciclo, maioritariamente renovado, para a democracia local em Aveiro.
Adenda: uma nota, particularmente curiosa (infelizmente) é a “saída” do Bloco de Esquerda da Assembleia Municipal de Aveiro, o que acontece de forma inédita desde a primeira eleição de um “deputado municipal” em 2005. Apesar de ser o reflexo do resultado “moderadamente” crítico no país, não deixa de ser, pelo que foi a campanha protagonizada pelo partido e pelo João Moniz, para além do histórico democrático do partido no poder local em Aveiro, uma outra nota negativa destas eleições.