Estudo sobre mulheres transgénero portuguesas desvenda processo de envelhecimento.

Estudo sobre mulheres transgénero portuguesas desvenda processo de envelhecimento.

É um estudo pioneiro sobre mulheres transgénero portuguesas que fizeram a transição depois dos 50 anos de idade.

A investigação da Universidade de Aveiro (UA) desvenda, pela primeira vez, que vivências foram decisivas para tomarem a decisão de mudarem de género.

“O processo de transição envolve fazer mudanças para alinhar a vida de uma pessoa com a sua autêntica identidade de género”, começa por explicar Sara Guerra, investigadora do Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde (CINTESIS) da UA, e coautora do estudo publicado na revista científica Global Qualitative Nursing Research.

Para além de Sara Guerra, o trabalho foi assinado também pelos investigadores do CINTESIS Rita Carvalho, João Tavares e Liliana Sousa e, ainda, por Tatiana Casado da Universidade das Ilhas Baleares (Espanha), uma equipa na linha de pesquisa dentro do tema pessoas LGBTQIA+ mais velhas.

Pioneiro, “este estudo explora as trajetórias de vida de três mulheres transgénero portuguesas que fizeram a transição quando tinham mais de 50 anos, identificando capítulos-chave nos seus percursos de vida”.

A consciência de 'algo diferente em mim', o facto de se sentirem trancadas no sofrimento e de encontrarem conforto em algo que é socialmente reconhecido são três dos acontecimentos identificados pela equipa/autores e que serviram de mote para avançarem para a transição.

Também a tomada de consciência de que “está na hora de reconhecer a mulher que sou”, de “viver a minha vida como mulher” e de “construir e deixar um legado”, constituem os outros três grandes impulsos para a mudança.

“O envelhecimento e o processo de autodescoberta desempenharam papéis fundamentais no processo de transição das participantes.

A perceção da finitude e das limitações associadas ao tempo de vida levou-as a perceber que não havia tempo a perder e um sentido de urgência para viver de forma autêntica”, aponta Sara Guerra.

A equipa reconhece que há uma lacuna na investigação sobre o envelhecimento de pessoas transgénero e nos seus desafios específicos e únicos, tais como estudos que abordem os múltiplos níveis e influências interligadas (fatores sociais, comportamentais, psicológicos e biológicos) ao longo da vida desta população.

“Para as nossas participantes, fazer a transição depois dos 50 anos parece ter sido impulsionado pela descoberta da felicidade de ser quem realmente são (mulheres), e possivelmente é motivado pela pressão do tempo limitado que lhes resta”, diz a investigadora.

“Por volta dos 50 anos, há a perceção de que ainda há tempo para se ser feliz. Apesar do contexto desafiante e ameaçador das vidas anteriores das nossas participantes - nasceram e viveram a sua juventude durante a Ditadura, foram vítimas de preconceito e estigma - elas demonstram uma notável resiliência ao stress minoritário que experimentaram nas suas vidas. Um sentido de resiliência traz força ao processo de envelhecimento”, descreve Sara Guerra.

A equipa não tem dúvidas e sublinha que, ao contrário das participantes no estudo, “muitas outras pessoas da mesma geração podem ainda estar a sofrer em isolamento e a tentar conformar-se”.

Reconhecer “as suas identidades transgénero mais cedo poderia ter aliviado algumas das dificuldades que enfrentaram, mas os nossos participantes não estavam preparados para confrontar este aspeto das suas vidas devido às significativas barreiras familiares, sociais e legais que encontraram”.

“Tanto o envelhecimento como o processo de autodescoberta desempenharam papéis cruciais na sua decisão de fazer a transição mais tarde na vida. A perceção da finitude levou-as a perceber que não havia tempo a perder. Elas tinham sido mulheres 'desde sempre' e sentiam que ainda tinham tempo para serem felizes”, conclui.

 

Texto e foto: UA