Artigo de Opinião

A soberania tem um preço… ou vários preços

02.05.202508:47
(crédito da foto: Departamento do Tesouro dos Estados Unidos, via EFE/EPA, in Gazeta do Povo)

Assinatura do "Acordo de Minerais e Terra Raras", entre os Estados Unidos da América (Scott Bessant, secretário do Tesouro) e a Ucrânia (Yulia Svyrydenko, vice-primeira-ministra e ministra da Economia). Washington, 30 de abril de 2025.


Infelizmente, a soberania (e já agora, a democracia e a liberdade) não se constroem ou se mantêm sem que seja pago um preço. Não o deveria ser, mas é, infelizmente, do pragmatismo madrasto da vida.

No caso da Guerra (invasão) da Ucrânia há uma dificuldade de análise pelo distanciamento e pela não vivência real do que são os impactos diretos nas vidas dos ucranianos.
Desde 24 de fevereiro de 202, volvidos 1.162 dias, a ONU aponta para 12.300 ucranianos civis mortos, dos quais 650 são crianças (números que pecam por defeito face à dificuldade de acesso completo ao terreno e à informação). Nestes 1.162 dias de guerra, já perderam a vida em combate mais de 46.000 soldados mortos e cerca de 380.000 ficaram feridos (segundo fonte oficial ucraniana).
Ao fim de mais de 3 anos, por mais coragem e resiliência que o povo ucraniano demonstre, é mais que natural o cansaço e o desejo que esta infame guerra acabe: pela memória dos que morreram, para que se tratem os feridos, para que se possa viver (em vez de sobreviver).  Se a soberania, a liberdade e a democracia devem ter um preço? Não, não devem.
Mas se um preço a pagar (o Acordo dos Minerais com os Estados Unidos da América) for parte da solução não me compete a mim, a esta distância e pela não vivência da realidade, dizer aos ucranianos se sim ou se não.

Há três notas que importa destacar do acordo agora assinado entre a Ucrânia e os Estados Unidos da América.
Primeiro, não me parece que o acordo vá determinar qualquer mudança de rumo da política norte-americana quanto à prestação e apoio e financiamento militar a Kiev. Não será este acordo, face ao que se conhece dos inconstantes e incoerentes “estados de alma” de Donald Trump, que alterará a relação dos USA com Putin, por mais verborreia que a Administração americana profira sobre a Federação Russa.
Mais do que para os ucranianos, o acordo é uma vitória de Trump que alcança um dos seus objetivos: que a Ucrânia pague toda a despesa que a América já desembolsou nestes 3 anos. Esta é a única visão que Trump tem do mundo: não é política, muito menos solidária ou humanitária e, raramente, para proteger a própria América. É apenas o interesse mercantilista que possa alimentar o oligarquismo, seu e dos seus pares.
E esta visão imperialista americana que se acha, desde a 1945 dona e senhora do mundo, quando lhe convém. Por exemplo, não são conhecidas “faturas emitidas” por países europeus aquando da Guerra do Golfo e do Afeganistão, nas quais foi demonstrada uma solidariedade política e militar sem contrapartidas. Com a triste memória para Portugal com, por exemplo, a Cimeira das Lages.
Segundo, até que ponto não estará Putin nos bastidores, nos corredores obscuros políticos, deste acordo? Seja pela localização das terras férteis dos materiais, seja pelo resultado de um possível acordo de paz, por exemplo, com a divisão do território. Não se espera que a Federação Russa saia da Ucrânia com uma mão à frente e outra atrás. Aliás, para termos, por exemplo, o comentador da CNN, general Carlos Branco a elogiar o acordo, tudo nos parece, legitimamente, suspeito e duvidoso.
Por último, tal como já o referi por aqui, e mais do que uma vez, a Europa falhou e perdeu. Em toda a linha: diplomática, política, geoestratégica e económica. Foi transformada num player menor ou sem peso político. E restará saber se o presente acordo não será ele limitador da integração da Ucrânia na União Europeia e/ou NATO.
Lembro as palavras de António Costa, então Primeiro-ministro, tantas vezes, erradamente, criticadas, e que hoje, depois deste Acordo assinado, fazem cada vez mais sentido, quando alertava para o perigo de se criar uma ilusão e falsas expetativas ao povo ucraniano.
Pois… de novo a Europa falhou, não disse presente. Outros (USA e Rússia) aproveitaram o vazio e aproveitaram-se da fragilidade e do cansaço do povo ucraniano.

Afinal a soberania (e a sobrevivência) tem um preço demasiado elevado, a ser pago em desespero (mais que compreensível) de causa, principalmente quando um povo se sente abandonado.