Luis
Luís,
Azeia-me isto, como se tivesses de ser e não ser ao mesmo tempo. O que não faz sentido é seres acusado de teres ameaçado interromper uma sessão invocando — e bem — o regimento da Assembleia Municipal, acusando outros do seu incumprimento, quando afinal e ainda também não tinham sido cumpridos “nem pelos termos nem pela forma”. Foste acusado de ter ameaçado fazer aquilo que, no limite, era não só teu direito mas também teu dever. Ou seja: se nada fizesses, serias acusado de omissão; cumprindo o regimento, és acusado de excesso. Preso por ter cão e por não ter.
Só faltava agora acusarem-te de não teres posto a senhora na rua. Talvez até tivesse sido a melhor opção: pelo que me foi relatado, estava descontrolada, e quem se desliga da razão devia, de facto, ser desligado da ficha. Mas o que parece pode não ser, embora não haja fumo sem fogo — talvez uma encomenda, uma recomendação vinda de Alberto Souto, quem sabe.
Não esqueço que, nessa mesma tarde, a intervenção de Alberto Souto, teu irmão foi um exemplo claro de como se torce o papel institucional: no Facebook, instigou quase uma rebelião, apelando à “raça aveirense” para que se chumbasse o hotel. O resultado foi o que se viu: manchetes no Diário de Aveiro a censurar um comportamento indigno de um Presidente da Assembleia Municipal, mas típico de um candidato em campanha. Que diabo é isto? Mais uma encomenda?
A verdade é simples: o Presidente da Assembleia Municipal, Luís Souto de Miranda, tem plenos poderes para interromper uma sessão e retomá-la à porta fechada; como também pode, se as circunstâncias o justificarem, mandar expulsar alguém das galerias. Qual é a dúvida? Qual é o problema? Nenhum — a não ser inventar casos para desviar do essencial.
E o essencial era, e é, a apreciação e deliberação do Plano de Pormenor do Cais do Paraíso, que inclui a construção de um hotel de 12 andares. Quando se põe em agenda um projeto desta escala, a sessão da Assembleia Municipal reveste-se inevitavelmente de solenidade. Fala-se de um pedaço sensível da cidade, de uma marca de futuro que se gravará na paisagem e no quotidiano durante décadas. Mas importa não iludir: com a maioria absoluta da coligação PSD/CDS-PP, o desfecho da votação estava escrito de antemão.
O debate poderia ter existido com mais ou menos vigor. A oposição poderia invocará argumentos técnicos, ambientais e sociais; a maioria sublinharia ou sublinhou os méritos da proposta. Mas a decisão não se fez ali, naquele duelo de palavras. Ela fez-se antes, quando os eleitores deram a essa coligação a maioria absoluta. O verdadeiro escrutínio foi nas urnas. A sessão é, em rigor, uma etapa formal, uma ratificação inevitável do que já se sabe aprovado.
As maiorias absolutas têm este traço: concentram a legitimidade popular e, ao mesmo tempo, reduzem o espaço de negociação. Quem votou nesta coligação validou não apenas a governação quotidiana, mas também os grandes projetos. Porém, se a decisão política está garantida, a responsabilidade não desaparece. Apenas se transfere para o futuro. Um hotel de 12 andares não é efémero. Se vier a ser símbolo de desenvolvimento, o mérito será da coligação. Se, pelo contrário, se transformar numa aberração paisagística ou urbanística, será também sobre a coligação que recairá o juízo da memória coletiva.
Não vale a pena grandes romantismos nestas matérias, que tem a maioria pode e deve ouvir todos e depois fazer o que entende ser melhor para a Autarquia. Não há outra maneira mais seria e justa de governar. Podia discutir os timming politicos- isso é outra história que nada tem a ver com Luis Souto. E do que percebi nos debates- e posso não estar totalmente certo, os timmings dos fundos comunitarios, ou seja ou agora ou nunca mais neste ciclo. Para quem não gosta era não fazer.. É a democracia a funcionar.
Mas Alberto Souto recorreu ao pior expediente político: a chantagem moral. Quis forçar consciências, insinuando que quem não votasse como ele queria seria um vendido ao PSD-CDS-PP, ou melhor a Ribau Esteves. Mas convém lembrar: o hotel poderá nunca ser construído, caso no futuro quem governe decida travar o processo. E se alguém acha que é uma aberração, então que assuma até ao fim, suspenda o processo e arque com os custos. Com aberrações, todo o custo para impedi-las é pouco. Não esqueço que, no seu tempo, Alberto Souto construiu o que considero uma aberração arquitetónica e de utilidade pública: o Estádio Municipal. Eu não o teria feito, e já o teria demolido. Mas não governo, nem nunca governei autarquias... Governo outras coisas com mandatos consecutivos de maiorias absolutas dos que me elegeram para gerir essas coisas. São 28 anos de Governação..
Ouvi todo o debate com atenção redobrada. Vi Ribau ganhar espaço pela contenção. Vi a oposição perder pela falta de ousadia. Pareceu um jogo de batalha naval: alguns barcos afundados facilmente, outros perdidos por inércia. Tu, nesse tabuleiro, não estiveste em teatralidades. Falaste com clareza e ponderação sobre o edifício contíguo ao Conservatório e sobre o hotel que pode ou não erguer-se ,mas noutros fóruns. Ali és o Presidente da AM, ponto final.
Sei bem qual é a tua opinião. E sei também porque entendeste que o edifício junto ao Conservatório deveria ser demolido — uma decisão que muitos desconhecem nos seus detalhes, mas que, sem esse conhecimento, pode parecer brusca.
Aveiro já tem volumetrias de grande porte. Eu próprio, de bicicleta, contei vários. Da Gafanha, do meu escritório, vejo outros tantos. O que quero dizer é simples: a cidade já convive com grandezas verticais. E, Luís, felicito-te pela forma como tens enfrentado estes debates. Somos amigos sem cálculo: nunca fui a tua casa, nem tu à minha. Não nos une conveniência, mas apenas a amizade que nasce do que é positivo e verdadeiro.