As políticas públicas (locais) que comprometem

Num artigo de opinião, publicado, ontem, num jornal local (“Um erro estratégico colossal”) Alberto Souto retoma uma “batalha” eleitoral sobre a intenção do Executivo da autarquia aveirense de construir um “Pavilhão Municipal – Oficina do Desporto”, em Taboeira. A crítica de Alberto Souto não surge apenas agora, no momento em que é conhecida a decisão da Câmara Municipal de Aveiro de adjudicação da obra. Já há algum tempo que Alberto Souto criticou esta opção de investimento, tendo apresentado argumentos objetivos de avaliação da decisão e de alternativas sólidas e consistentes.
O artigo de opinião é, por si só, mais que esclarecedor quanto aos erros e aos riscos da decisão camarária: a necessidade de redefinição da estratégia e do investimento, os impactos políticos e financeiros, a dúvida sobre o valor do interesse público (para os cidadãos e os clubes) e a redefinição da localização do equipamento.
Não está em causa a necessidade de Aveiro investir no desporto e nos seus equipamentos ou infraestruturas, tão necessárias para o bem-estar dos cidadãos e para o desenvolvimento da prática desportiva promovida por clubes e associações. Aliás, tal só reforça o compromisso que Alberto Souto já assumiu na proposta que apresentou sobre Desporto, fruto não só da sua avaliação, mas também (e muito) da auscultação e dos contributos partilhados por muitos aveirenses e associações.
Mas há dois aspetos importantes, demasiado importantes, no artigo de Alberto Souto, fruto, naturalmente, da experiência política e da sua visão da gestão autárquica: o conceito (e conceção) de políticas públicas e do que deve ser a governação e democracia local (que deu o mote a um dos debates temáticos que a candidatura do PS promoveu há poucas semanas, em Esgueira).
Sustentando-nos em James Anderson (“Elaboração de Políticas Públicas”, 1975) e em William Jenkins (“Análise de Políticas: Uma Perspetiva Política e Organizacional”, 1978), as Políticas Públicas são ações ou decisões tomadas por um ou vários atores políticos, com o objetivo de resolver determinados problemas públicos ou necessidades coletivas, como resultado de inter-relações com organizações (públicas ou privadas) e/ou a sociedade. Há, assim, que destacar o fim coletivo para a solução de um problema ou uma necessidade que afete todos, com recurso a decisões e meios que envolva vários atores.
Por outro lado, o exercício do poder, legitimado pelo voto, não se esgota no ato eleitoral. Ele torna-se democraticamente mais responsabilizado, sólido e eficaz se democraticamente participado, envolvente e partilhado com a comunidade, sem que isso signifique (antes pelo contrário) a perda de legitimidade ou do poder de decisão.
Sem questionar a afirmação do presidente Ribau Esteves, várias vezes repetida, de que os mandatos (neste caso) autárquicos têm uma vigência quadrienal e devem ser executados até ao seu final, não deixa de ser um facto que, em finais de ciclo, para além das limitações e condicionalismos que os normativos legais impõem, exige-se ponderação na execução de políticas e medidas que impactam com o futuro da gestão autárquica e da vivência comunitária.
É isto que Alberto Souto, e bem, coloca em causa: o valor/impacto e a estratégia da política pública em questão (investimento em equipamento desportivo municipal) em relação ao desenvolvimento e à promoção do desporto no Município no futuro, e a ausência de participação e intervenção da comunidade na avaliação da tomada de decisão de implementação do investimento público.
Porque dívida não é só a ausência de recursos financeiros, ela é também o resultado de execuções orçamentais que obrigam a compromissos futuros com obrigações de dívida que podem condicionar e limitar os desempenhos autárquicos futuros.
Aliás, para além das questões/desafios que Alberto Souto deixou, assertivamente, à candidatura da coligação PSD/CDS/PPM, há uma outra interrogação que se pode colocar. Onde fica a coerência dos que hoje aplaudem a decisão do atual Executivo, quando, em 2013, antes do processo eleitoral autárquico desse ano, a própria coligação PSD/CDS que, à data, suportava a governação autárquica de Élio Maia, chumbou, em plena Assembleia Municipal, a proposta de empréstimo bancário para a execução de um estacionamento subterrâneo na Avenida Dr. Lourenço Peixinho, precisamente pelos mesmos pressupostos que hoje se podem colocar à decisão de construção do Pavilhão Municipal Oficina de Desporto: a estratégia e oportunidade da política pública em causa e o seu impacto na gestão futura da autarquia.
E não foi assim há tanto tempo. Pelo menos, não foi há mais de 20 anos.
P.S.: Já não colhe, já nem ruído cria, tão pouco importa à maioria dos aveirenses (mesmo de outros quadrantes político-partidários) a lengalenga gasta e desgastada do estádio do Euro 2004 ou da dívida legada em 2005. Só os do costume, os revisionistas e agarrados a passados, por ignorância ou (maioritariamente) por má-fé é que, à falta de argumentos, por mais explicações que já tenham sido tornadas públicas, é que insistem em narrativas que, para além de falsas e injuriosas, nada mais são que meros populismos partidários.
O Estádio teve, à data, a aprovação política unânime (com a abstenção do PCP) e da sociedade aveirense. Foi um projeto nacional, condicionado, a determinada altura, por uma alteração imposta pelo Estado no aumento do número de estádios a construir (mais construção, pelo mesmo valor global).
A dívida, para além da obra, e muita, realizada, foi marcada por 3 contextos relevantes: a interrupção de um ciclo governativo natural (8 dos 12 anos possíveis), a crise económica de 2008 com impactos na economia global (incluindo a nacional e municipal) e um contexto bem diferenciado do que é hoje a lei das finanças locais.