Artigo de Opinião

Nem todos chorarão Francisco… não sejamos hipócritas, nem ingénuos.

21.04.202517:44
Papa Francisco (1937 - 2025)

Partiu, não um santo, mas um homem bom. Dos raros e excecionalmente bons. Incómodo para os instalados, empático para os humanistas, os defensores da dignidade humana e da liberdade (crentes ou não, praticantes ou nem por isso).

Independentemente da fé e da sua prática (ou afastamento), do ateísmo ou do agnosticismo assumidos, julgo haver o devido e merecido reconhecimento do pontificado do Papa Francisco, seja pelo desassossego criado no seio da Igreja Católica (a sua origem geográfica e a sua nacionalidade aquando da escolha para suceder a Bento XVI, o afrontar o status quo e o conservadorismo instalado na estrutura do Vaticano, a questão dos abusos sexuais, alguma - mesmo que ainda reduzida - abertura às minorias e ao papel da mulher na Igreja), seja pela ação humanitária, política e social que foi desenvolvendo (a preocupação com o ambiente, com a economia, a condenação do genocídio em Gaza e da guerra da Ucrânia, a atenção focada nos migrantes no Mediterrâneo, nos povos explorados, nos mais desprotegidos, excluídos ou fragilizados, entre outros).
Não é uma questão de fé ou da falta dela, é uma questão de justiça e de reconhecimento que penso ser devido e merecido, pelo carácter humanista e pela defesa dos direitos e liberdades.

É óbvio que há um longo caminho que a Igreja deve percorrer em várias áreas, muito para além dos seus dogmas, e que tem conhecido forte resistência interna, mais por responsabilidade de certos poderes instalados do que propriamente por falta de vontade ou coragem que Francisco demonstrou nestes 12 anos. Um caminho que não impacta apenas no seio da Igreja, mas nas sociedades e comunidades do mundo, face ao peso institucional (uma das instituições mais antigas da humanidade… aprende-se nos livros), e à sua dimensão, professe-se ou não, mais ou menos universal (sem que isso tenha que representar, obrigatoriamente, a verdade única e absoluta, a exclusividade da crença ou a superioridade em relação a outras religiões). Há muitos temas que a Igreja não pode continuar a esconder a cabeça na areia ou a assobiar para o lado: o papel das mulheres em toda a sua dimensão social e eclesial, a integração e inclusão das minorias, o combate à exclusão (mais do que dogmática, catequética) como a homossexualidade, o divórcio, o aborto e a eutanásia, o celibato e os abusos sexuais, a urgente reforma da Instituição, alavancando a sua vertente dogmática em detrimento da catequética ou estrutural... sob pena de se tornar (ainda mais) irrelevante para a sociedade. E é também isto que parte com o falecimento do Papa Francisco.

É esta a dimensão que a morte de Francisco revela. Não haja dúvidas que, independentemente de estarmos perante o ciclo natural da vida, de todas, sem exceção, a morte de Francisco gera uma maior empatia e tristeza nos simples crentes e fieis e, até, na comunidade de ateus e agnósticos (nunca mais esqueço a frase, séria e introdutória ao debate, de um professor meu de filosofia, no Liceu José Estêvão: “eu cá sou ateu, graças a Deus”), ao contrário de uma enorme hipocrisia e farisaísmo do conservadorismo e ultraconservadorismo dos corredores do Vaticano que volta a espreitar uma janela de oportunidade para o retrocesso civilizacional e institucional que entronca com muito do que já é o preocupante crescimento de uma determinada fação ideológica nacionalista, populista e antidemocrática. E não é bom para o mundo.

Agora… é tempo de se lamentar a perda e aguardar por novo “fumo branco”.