Artigo de Opinião

Mais de 122 milhões... seria o 8.º país mais populacional do mundo

21.06.202500:08
Dia Mundial do Refugiado

O Dia Mundial do Refugiado foi oficialmente proclamado pela Assembleia Geral da ONU a 4 de dezembro de 2000 (Resolução 55/76). A data escolhida, 20 de junho, passou a ser comemorada a partir de 2001, assinalando o 50.º aniversário da Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951, um dos principais instrumentos legais internacionais de proteção aos refugiados.
Face o que representa esta tragédia humanitária à escala mundial, perante toda a conjuntura internacional de instabilidade geopolítica, do aumento da conflitualidade entre nações e povos, e o crescimento exponencial do ódio e do radicalismo, este Dia Mundial do Refugiado tem que ser mais do que uma mera data simbólica.
Merece uma reflexão e um olhar atento sobre a dignidade humana, os direitos fundamentais e o sofrimento de milhões de pessoas que, por conflitos armados, perseguições, desastres ambientais ou crises políticas, são forçadas a deixar suas casas em busca de proteção, sem que isso seja, obviamente, o seu natural desejo.

Ser refugiado é carregar a dor da perda - da terra natal, da família, da identidade cultural - e, ao mesmo tempo, alimentar a esperança de um recomeço (que muitas vezes se torna num diferente e novo pesadelo).
Estas pessoas não escolheram partir, não escolheram ter de fugir à morte que lhes bate à porta das suas casas, das suas famílias, dos seus bairros, das suas comunidades ou dos seus países. São empurradas por circunstâncias extremas, muitas vezes ligadas a desigualdades históricas, culturais e político-ideológicas, sem esquecer as religiosas e os interesses globais exploratórios e mercantilistas.

É nesse contexto que o humanismo e o respeito pelo outro (que tantos dos que batem com a mão no peito afirmando-se católicos convictos, por exemplo) se tornam valores essenciais e que deveriam ser mais que suficientes para não virarmos as costas ou normalizar narrativas extremistas. Antes de qualquer barreira geográfica, ideológica, política ou religiosa, somos todos humanos, compartilhando a mesma vulnerabilidade quanto à pequenez da nossa condição de seres vivos. O acolhimento (ou o saber acolher), nestes cenários, deveria ir muito para além da "hospitalidade". Deveria assumir o reconhecimento do outro na sua dignidade e integridade, oferecendo oportunidades de reconstrução das suas vidas e de contribuição para a construção da comunidade acolhedora.

E é (ou deveria ser) impossível falar sobre a realidade de refugiado sem mencionar ou contextualizar responsabilidades históricas. Grande parte das crises que geram refugiados tiveram raízes no colonialismo que por séculos saqueou recursos, destruiu culturas e impôs fronteiras artificiais em África, na Ásia ou América Latina. Mesmo após a independência formal dessas nações, muitos países continuaram a exercer um determinado poder exploratório por meio de acordos desiguais, dependência económica, extração de riquezas e apoio a regimes instáveis desde que servissem a seus interesses. Há, por isso, uma responsabilidade coletiva, nomeadamente da Europa (ou de muitos países europeus) que devia assumir um papel mais determinante na forma como lida com esta realidade humanitária junto das regiões de origem da crise migratória.
Além disso, o sistema global contemporâneo tem perpetuado formas subtis de exploração: extração e exploração de recursos naturais de países fragilizados sem garantir contrapartidas justas; intervenções políticas e militares, muitas vezes travestidas de “ajuda humanitária”, têm resultam em mais instabilidade; a crise climática, causada maioritariamente por países industrializados, que atinge com mais incidência populações e regiões que menos contribuíram para ela.

Diante desse cenário, acolher refugiados/migrantes não é um ato de caridade, mas sim de humanismo, responsabilidade histórica e justiça. Deveria ser uma demonstração de maturidade ética coletiva e um compromisso concreto com as desigualdades, a exploração do outro, o complexo de superioridade (que mais não é do que disfarçar a inferioridade vivida), a solidariedade e, para alguns, a verdadeira vivência religiosa (crença) que tanto (pifiamente) professam.

É crucial dar visibilidade e voz à realidade dos refugiados, não apenas sob a ótica humanitária e do seu sofrimento, mas porque tantas e tantas histórias de (sobre)vivência são marcadas por exemplos de coragem, resistência e capacidade de reconstruir a vida a partir do nada. Há muitos exemplos, lembro-me, porque é soberbo e bem presente, por exemplo ou como exemplo, o livro “Lampedusa: ir e não chegar”.

Celebrar o Dia Mundial do Refugiado é também reconhecer o valor e a riqueza que essas pessoas trazem consigo: as suas culturas (que narrativas deploráveis confundem com cumprir leis e regras), conhecimento, saberes, línguas e sonhos.
O mundo precisa, urgentemente, de ser mais justo, mais solidário, mais pacífico (sob pena de ficar completamente descontrolado), mais inclusivos.
Infelizmente, continuamos com as amarras ideológicas das “nacionalidades” (e da sua perda), da “migração utilitária”, das “vias verdes ou de outra cor qualquer” como se a vida humana devesse ser mercantilizada.

A realidade é, nua, crua e bem clara (fonte: ONU - ACNUR ou UNRWA:
- o número de pessoas forçadas a fugir de seus lares - incluindo refugiados, deslocados internos (dentro do próprio país), requerentes de asilo e pessoas com proteção internacional, ultrapassou, em abril deste ano, os 122 milhões de pessoas.
- destes, 43,7 milhões são refugiados (a maioria de Síria, Venezuela, Ucrânia, Afeganistão, Sudão… cerca de 73% do total de refugiados), 72 milhões são deslocados dentro do próprio país e 8 milhões são requerentes de asilo.
-  dos 122 milhões de deslocados/migrantes, cerca de 47 milhões são crianças ou jovens, com menos de 18 anos (perto de 40 % do total): 17 milhões crianças refugiadas, 28,1 milhões são crianças e jovens deslocados devido aos conflitos/violência, 3,1 milhões deslocados pelas alterações climáticas. Além disso, mais de 2 milhões de crianças nasceram como refugiadas entre 2018 e 2023. 

Este é o número mais alto alguma vez registado no pós II Guerra Mundial.