Artigo de Opinião

Dia Mundial pelo Desarmamento: a paz refém da força.

10.07.202500:14
escultura de Carl Fredrik Reuterswärd (1980)

Escultura "knotted gun", exposta na sede da ONU, da autoria do artista sueco Carl Fredrik Reuterswärd (1980).
Foi criada após o assassinato de John Lennon, como símbolo da não violência e do trabalho da ONU por um mundo mais pacífico.

Assinala-se hoje, 9 de julho, o Dia Mundial pelo Desarmamento. Esta data surge como um lembrete sombrio da direção que o mundo escolheu seguir: um caminho onde o conflito é normalizado, a força é glorificada e a paz é adiada indefinidamente... ou, pior, instrumentalizada. Ou pior ainda, onde a paz é militarizada.
Um rumo cada vez mais marcado por armas, guerras e discursos que colocam a força acima da relação fraterna e solidária. Um perigoso destino que tem como guias os que desacreditama Paz, como ainda ontem Netanyahu afirmou, na Casa Branca: “eu e o presidente Trump temos a mesma visão. Primeiro a força, depois a paz”.

Uma data que, infelizmente, se afigura, neste dia, inócua e impotente, e, mais do que nunca, exige ser vivida com inquietação. O mundo está, hoje, mais perigoso (mais do que as referências que se fizeram, à data, no pós “11 de setembro” e na Guerra do Golfo), mais instável e, para milhões (demasiados milhões), mais mortal. O que deveria ser um esforço comum pela paz e a fraternidade coletiva, está a transformar-se numa corrida frenética à conflitualidade, à imposição de vontades, do poder (e da “minha verdade” ou da “verdade única”), à guerra e ao rearmamento.

Enquanto o mundo assiste a crises humanitárias sem precedentes, fome, migrações forçadas e uma crise climática que clama por socorro, não por tanques, bombas e mísseis, em 2024, segundo o Instituto Internacional de Investigação da Paz de Estocolmo (SIPRI), os gastos militares globais ultrapassaram os 2,4 biliões de dólares… um valor recorde.
A própria União Europeia, até há poucos anos reticente quanto à militarização, abraça agora sem hesitações um discurso de reforço da Defesa (Rearmamento), com aumentos históricos nos orçamentos militares dos seus Estados-membros. Mas esta prioridade orçamental levanta uma questão essencial: quanto estamos dispostos a investir em armas, a troco do que deixamos de investir em saúde, educação, habitação ou combate às desigualdades? É que, infelizmente, o dinheiro não cai do céu como tantas bombas mortais.
Os conflitos não diminuem, multiplicam-se. A guerra na Ucrânia arrasta-se há mais de três anos, com destruição contínua e um impasse diplomático cada vez mais profundo. No Médio Oriente, a escalada entre Irão, Israel e EUA ameaça alastrar a violência para toda a região. E a situação humanitária em Gaza é um lembrete brutal do que acontece quando a força substitui a diplomacia e os civis são vistos como danos colaterais.
Sem esquecer, porque o mundo teima em esquecer, a violência contínua no Sudão, no Iémen, na Síria, entre a Índia e o Paquistão, na República Democrática do Congo ou em Myanmar, com exemplos gritantes de como o poder bélico pode ignorar princípios básicos de humanidade, da dignidade humana, da liberdade e do direito internacional.
Neste contexto, líderes como Putin, Netanyahu e Donald Trump representam uma visão do mundo em que a força militar é o primeiro recurso, e não o último. Mas a paz que nasce da força não é paz… é silêncio forçado.

O desarmamento é mais do que uma questão técnica ou diplomática. É um grito ético, de liberdade, de humanismo e de paz. Um apelo à inversão de prioridades num mundo onde mais armas não significam mais segurança, mas sim mais risco de confrontos, mais refugiados, mais mortes evitáveis. Um mundo onde se investe fortunas em tanques e se hesita em responder à pobreza, à exclusão, à fome ou à crise climática.
Desarmar não é uma utopia, como tantas vezes se argumenta. É uma decisão racional e lógica: quanto mais armas circulam, mais guerras e mortes há. É também uma escolha ética e moral: a de recusar um modelo de sociedade baseado no medo, na força, no abuso do poder e na violência como forma “supostamente” preventiva.
O desarmamento que hoje se exige não pode ser apenas material. É político, ideológico e até orçamental. É urgente desarmar os orçamentos que favorecem o complexo militar-industrial em detrimento de escolas, hospitais e políticas públicas (como a saúde e a habitação). Desarmar os discursos de ódio, racismo e xenofobia que reduzem adversários a meros alvos. Desarmar a lógica que mede a força de um país pelas suas armas e não pela dignidade com que trata os seus cidadãos.

O mundo está mais perigoso, mais armado, mais letal. E não é por falta de recursos… é por excesso de prioridades erradas. Continuar neste rumo é perpetuar um ciclo de violência, morte, sofrimento e incerteza.