Opinião: "Reforma do Estado: Modernizar para Melhorar" - Leonardo Costa.

Reforma do Estado: Modernizar para Melhorar

Falar da reforma do Estado é, por definição, um processo complexo e de contornos pouco definidos. Uma reforma pode significar o encerramento de serviços públicos onde deixaram de ser necessários, a fusão de entidades redundantes ou, pelo contrário, a criação de novas estruturas que respondam a novas exigências da sociedade. 

Pode também passar pela modernização dos serviços existentes, através da sua reorganização, revisão dos processos administrativos, pela introdução de novas competências nos trabalhadores da Administração Pública ou, mais recentemente, pela sua profunda digitalização. Reformar o Estado e a Administração Pública deve ser, acima de tudo, adaptá-lo — às mudanças demográficas, tecnológicas, económicas e às expectativas crescentes dos cidadãos. 

Significa também preparar os funcionários públicos para esse futuro, requalificando-os e integrando novas ferramentas digitais, que começam a desempenhar um papel cada vez mais estruturante na forma como o Estado funciona e serve.

Para compreender melhor esta transformação, é essencial perceber a estrutura orgânica do Estado. Existem três áreas de administração: Central, Regional e Local em Portugal. 

Ao nível da Administração Central a mesma compreende um conjunto de organizações e serviços do Estado que atuam em todo o território nacional. 

Estes organismos podem situar-se no âmbito da administração direta como são as Secretarias-Gerais; Direções-Gerais; Inspeções-Gerais; Forças Armadas e de Segurança, da administração indireta como são os Institutos Públicos; os Fundos Personalizados e o Setor Empresarial Público e, por fim, organismos da administração autónoma. 

Atualmente, a Administração Central conta com 4.256 organismos (entidades e subentidades), dos quais cerca de 600 entidades possuem um caráter mais nacional, segundo os dados do Sistema de Informação da Organização do Estado. De acordo com relatório da DGAEP relativo ao 1º trimestre de 2025 dos 758 889 funcionários públicos, 566 718 trabalham na Administração Central do Estado. 

Esta é a realidade que o novo Ministério da Reforma do Estado vai encontrar. Para garantir o bom desempenho da Administração Pública, a reforma do Estado deve assentar num diagnóstico rigoroso, livre de amarras ideológicas, construído com base no contributo dos dirigentes, dos trabalhadores e na escuta ativa dos cidadãos e da própria academia. 

Em muitos casos, não são necessárias mudanças estruturais profundas, mas sim ajustes cirúrgicos a processos existentes, dar maior autonomia de gestão e decisão aos serviços e capacitá-los com ferramentas tecnológicas e recursos humanos. Importa reconhecer que há inúmeros organismos públicos a funcionar bem e a dar resposta eficaz às necessidades da população.

Mas vamos tentar perceber o que tem sido feito nos últimos anos, através de alguns exemplos. Ao nível da modernização dos serviços públicos, por via da digitalização, Portugal tem dado passos sólidos neste caminho, com medidas que simplificam o quotidiano dos cidadãos e empresas. 

A Chave Móvel Digital tornou-se numa ferramenta essencial para aceder a dezenas de serviços públicos online com segurança; o IRS automático permitiu que milhões de contribuintes entregassem as suas declarações com apenas alguns cliques e de forma mais rápida e simples. 

O portal ePortugal.gov.pt consolidou-se como o balcão digital do Estado, oferece um conjunto de serviços integrados.

A par destes avanços mais recentes, programas passados como o Simplex permitiram o lançamento de várias medidas de simplificação administrativa. 

Muitas destas são invisíveis à primeira vista, mas com impacto direto na vida das pessoas — como o registo do nascimento diretamente na maternidade, o pedido de certidões online ou a inscrição automática no sistema nacional de saúde. 

Estes exemplos mostram que a Administração Pública portuguesa tem capacidade de inovar e de se adaptar às exigências da sociedade moderna.

Contudo, apesar dos progressos, subsistem ainda desafios que comprometem a eficácia e a coesão do sistema. Muitos cidadãos continuam a ser confrontados com situações paradoxais: vão a um serviço público e são informados de que precisam de documentos emitidos por outro serviço do mesmo Estado. 

Esta lógica de “cada um por si” dificulta o acesso, multiplica tempos de espera e agrava a frustração de quem procura ajuda. O mesmo se aplica a empresas que necessitam de licenças ou autorizações e que são obrigadas a tratar de múltiplos processos em diferentes departamentos públicos. 

Para ultrapassar esta fragmentação, seria desejável caminhar para um modelo mais integrado, em que um único gestor público articulasse internamente todos os passos necessários. Seria um avanço significativo para uma Administração mais coesa, mais eficiente e orientada para resultados concretos.

É precisamente com esta visão que se pode pensar o futuro da modernização da Administração Pública. Um futuro que assente em serviços públicos personalizados, desenhados com base nas necessidades reais dos cidadãos. 

É necessário adotar uma lógica de experiência integrada, em que o cidadão não se relaciona com o "Ministério A" ou o "Serviço B", mas sim com um Estado único, coeso e transparente. 

A tecnologia deve estar ao serviço de uma governação mais simples, mais ágil e mais próxima. Para isso, é fundamental investir em plataformas interoperáveis, numa identidade digital universal, e em modelos de dados partilhados — tudo isto com o necessário cuidado em matéria de cibersegurança, ética e proteção de dados pessoais.

Neste novo paradigma, o papel da inteligência artificial e da automação de processos pode surgir como um elemento central. Estas tecnologias permitem libertar os trabalhadores de tarefas repetitivas e administrativas, possibilitando-lhes focar-se em funções de maior valor acrescentado, como o atendimento ao cidadão ou a resolução de problemas mais complexos. 

A sua aplicação no setor público poderá representar um ganho de produtividade e qualidade nos serviços, desde que acompanhada por formação adequada e por uma estratégia de transição justa.

A literatura destaca o forte potencial da inteligência artificial na modernização dos serviços públicos, mas alerta para os desafios éticos, legais e sociais que exigem regulação e supervisão adequadas. 

Há já exemplos concretos que demonstram os seus benefícios. 

Na Austrália, o sistema PAPT auxilia na gestão interna nos serviços hospitalares, prevendo a procura por urgências, otimizando recursos, e diminuindo o stresse das equipas médicas, em 27 hospitais públicos. Também na Austrália, a assistente virtual ALEX apoia os cidadãos em questões fiscais. 

Na Estónia, o chatbot Bürokratt centraliza o acesso a serviços públicos num único canal digital. Também neste domínio, Portugal pode avançar com soluções relevantes, capazes de melhorar tanto a gestão interna dos serviços como a prestação direta ao cidadão.
 

Assinatura: 

Leonardo Oliveira Costa

Professor Convidado na ESTGA-UA

Gestor numa empresa em Aveiro