“O advento do quinto Império”
Pelos 400 anos da canonização da Rainha Santa Isabel
A utopia da Era do Espírito Santo, criada no século XII pelo monge calabrês Joaquim de Fiore, era uma antevisão do futuro da igreja, o desejo de uma renovação da comunidade cristã: projeto ambicioso para a civilização ocidental e latina. Ela não contemplava as outras civilizações, não se estendia ao resto da humanidade.
O Quinto Império do padre António Vieira é uma visão profética do futuro da humanidade inteira, a maior utopia jamais saída da mente de um génio e ela é portuguesa.
Patriótica até à loucura, certamente, mas uma visão moderna da sociedade e da história humana, inspirada nas virtudes de um povo cristão, numa feira universal onde ninguém fica indiferente a ninguém, nem mesmo à ideia de um Criador.
Vivemos no advento de uma cidadania mundial, já antevista no começo do século Vº da nossa era pelo berbere Agostinho Aurélio quando o Império Romano se fragmentava, invadido por povos bárbaros que criavam dentro das suas fronteiras novos espaços de liberdade. Como no tempo d’A Cidade de Deus, vivemos numa realidade nova e emergente, instável e dramática, que provoca um sentimento de compaixão pelos excluídos, com uma variante: o bispo de Hipona ignorava o tamanho do mundo e a diversidade das civilizações que o calcavam.
As ideias reformadoras do monge calabrês encontraram acolhimento junto dos soberanos mais poderosos do seu tempo e chegaram a Portugal com Isabel de Aragão, a esposa de D. Dinis que criou no início do século XIV um extraordinário movimento popular para a prática das Obras de Misericórdia, as Irmandades do Espírito Santo: a primeira ação social de combate à exclusão.
A dinastia de Aviz endossou o projeto de um grande Império cristão e universal. D. Afonso V encomendou ao erudito veneziano Fra Mauro um mapa-mundi que lhe foi entregue em 1459: ele mostrava que, pelos oceanos, se podiam contactar todos os povos de todos os climas do mundo.
O Império sonhado não se concretizou de maneira duradoura, mas foi um dos maiores desafios da humanidade.
Tudo foi tão rápido e violento quanto sublime e o projeto pareceu eterno enquanto durou. Como em Ourique, o Divino todo-poderoso não esmagou com palavra nem gesto o poderio dos inimigos; antes exigiu dos crentes o combate para assegurar a vitória, para que acontecesse o milagre.
Na hora das lutas, cada qual fez-se predador, as mãos sujas de sangue, para sair vivo da peleja e com o seu quinhão de saque. O Império far-se-ia com armas e valores, e só com vitórias e virtudes ressuscitaria.
Foi um dos maiores feitos da humanidade; restam hoje, dispersas pelo planeta, cerca de 250 milhões de criaturas que falam a língua portuguesa.
No tempo da utopia do Vº Império de Vieira, uns 200 anos após o rei “Africano”, já não restava nenhum pedaço de mundo nem nenhuma civilização por encontrar, mas o Império sonhado estava desfeito.
Hoje, a quantidade de humanos excluídos da cidadania é assustadora e ninguém mais ignora a dimensão do planeta e a diversidade das criaturas que o povoam.
Os arquitetos, os obreiros e os artesãos do futuro, enfrentam desafios inéditos, jamais imaginados, para alcançar uma nova era de paz, de liberdade e de fraternidade qual novo Império do Divino, na versão encantadora da diáspora portuguesa que preserva o ritual do movimento criado há mais de 700 anos pela Rainha Santa Isabel: o advento de um mundo novo.
A 25 de julho de 2025 contavam-se exatos 700 anos da peregrinação da Rainha a Santiago de Compostela, cumprindo uma promessa de paz.
Foi canonizada há exatos 400 anos, a 24 de junho de 1625. Assim, este livro é mais do que um tributo a uma Rainha: é um hino à solidariedade, um testemunho de fé na humanidade e um convite à ação.
Ed. MIL: Movimento Internacional Lusófono, 140 pp, Lisboa, 2025.
António de Abreu Freire
abreufreire@gmail.com