O arranque da rádio Faneca, em 2012, foi motivado pela regeneração urbana do centro histórico de Ílhavo mas, hoje, ganhou vida própria e o que nasceu como componente imaterial do projeto está para ficar.
Desde 2014 com o estatuto de festival anual a rádio Faneca entra na 4ª edição. Paulo Costa, vereador com o pelouro de cultura de Ílhavo, explica que se trata de um festival que nasce do envolvimento popular.
“O sítio é marca distintiva. Só aqui pode acontecer em becos, vielas e ruas. É um festival feito por pessoas de cá. É feito a partir daqui em que parte dos intervenientes são de cá”.
A rádio tem o seu espaço como elemento chave e recria o ambiente da rádio na Calçada Carlos Paião, em 103,9 FM, onde nasceu como rádio Faneca. “Emissão de rádio não tradicional. Uma das apostas é ter programa de rádio que funciona durante os dias do festival que informa as pessoas do programa. E é parte importante neste programa”.
A apresentação do evento decorreu numa casa familiar, de Manuel e Júlia Ruivo, num dos becos do centro histórico onde se ouviram as primeiras histórias ao sabor de um chá e de uma torta. Foi como se o projeto “Casa Aberta” tivesse feito a sua antestreia.
“Cada vez mais este é o nosso mote. Queremos projetos que não sejam de uma noite mas de todo o tempo de preparação e que se faz dos eventos. E queremos que os atores sejam pessoas da cidade”.
A autarquia sente que ganhou um produto apelativo capaz de movimentar um centro histórico à procura do seu reencontro com a atração de novos moradores. “Encorajar novas formas de vida pública e de projetar Ílhavo. Este é um festival diferente que reescreve memórias locais. É um festival com conteúdos locais”.
Além da emissão de rádio, há jogos, concertos em locais inusitados e Casa Aberta num momento em que a comunidade está de portas abertas para receber convidados em momento de partilha. Nas casas há espaço para um projeto artístico de Ana Bento com encenações que colocam os moradores como protagonistas.
“Foi-me lançado um desafio diferente para a Casa Aberta. As pessoas que oferecem o jantar vão ter uma pequena performance. Descobrimos coisas que as pessoas partilham connosco e porque nós estamos responsáveis por transformar isso em produto artístico. Não é fácil mas é maravilhoso”.
Domingo é dia de família, Mercadinho de vendas, Baile dos gordos, Programa de rádio “Amores e desamores”, Orquestra da Bida Airada desta vez em horário diurno e concerto no aquário de bacalhaus. O programa encerra na Praça do CCI com sessão de cinema drive-in, com o filme “Casablanca”, ao som do rádio dos carros.
O novo programador do CCI enfatizou o envolvimento da comunidade e realçou a dinâmica do Festival. Luís Ferreira confessou que a experiência é estimulante pela forma como é recebida pelos ilhavenses.
A Orquestra da Bida Airada continua como um dos destaques pelo envolvimento da comunidade num evento musical com elementos cénicos. Ricardo Batista orienta o trabalho de criação e revela que se trata de um encontro feliz em torno da música.
“Convite a todos os que quisessem participar, desde músicos amadores a pessoas sem saber nada de música. Os requisitos eram fáceis de cumprir. Foi preciso criar um conceito de como abarcar todas estas pessoas. Quando falamos de comunidade falamos desta comunidade que se junta nos ensaios. O que acontece é que este ano sentimos que na terceira edição a Orquestra pode ser encarada como ativo de Ílhavo que pode ser ativado de várias formas. A comunidade quis usar reportório já usado. Há lastro. Fomos visitar a VA e no dia poderemos apresentar uma narrativa relacionada com a história de Ílhavo”.
Graça Sacramento é uma das participantes na orquestra. Assumiu a repetição do desafio pelo gosto na criação. “Gosto de desafios. O primeiro foi fantástico, o segundo foi fantástico e este é surpreendente. Há ali pessoas de diversas idades. Não falamos da parte da música mas da encenação. Cada ensaio é um festival e em cada ensaio há algo que aparece de novo. Com isso moldamos o espetáculo”.
Este ano surge o projeto de fotografia que retrata as imagens de moradores e figuras do Centro Histórico num exercício que os responsáveis Alexandre Almeida, Augusto Brázio e Nelson D´ Áires definem como intimista.
“O primeiro ano foi de entrada na casa das pessoas. Há responsabilidade quando trabalhamos com a memória dos outros. Às vezes somos elefantes em loja de porcelana. Queremos fazer imagens mas se não respeitarmos as pessoas corremos riscos. No primeiro ano trabalhamos na casa das pessoas e no segundo ano já não entramos com a sede da novidade. Aí desafiamo-nos a entrar na cabeça das pessoas. Fizemos encenações. Para as pessoas foi incrível. Há sempre notas de humor. Este ano como estamos ligados às notícias resolvemos criar notícias, fizemos jornais de parede. São 16 habitantes em 16 jornais. Vasculhamos os álbuns de família”.
Um das ilhvenses fotografadas assumiu que no início estava receosa mas depois deixou-se ganhar pela experiência. Zaira Celestino assume que foi também oportunidade para remexer nas memórias.
“Pediram-me para mostrar uns álbuns de fotos. Quando vi as fotos em ponto grande fiquei contente. Fui remexer nas memórias e isso fez-me muito bem. Quero agradecer aos mentores da rádio Faneca. Sinto-me uma jovem que chegou a esta época. Fizeram acordar esta cidade que é diferente do nosso tempo. Agora as pessoas metem-se em casa. A rádio Faneca faz acordar a minha terra”.