O Cineteatro de Estarreja faz hoje 65 anos e a data mereceu da parte dos serviços de cultura a chamada de José Sá ao centro das atenções pela vida de 42 anos ao serviço do equipamento. Trata-se de projecionista que entregou a vida ao Cineteatro de Estarreja durante 42 anos de trabalho. Hoje com 72 - começou a trabalhar aos 13 -, recorda os tempos em que mesmo a fugir da polícia, aguentou-se na cabine de projeção e dela só saiu quando o espaço fechou portas definitivamente. São “aventuras” que José Sá faz questão de partilhar, vividas na primeira pessoa.
“Eu vim para aqui aprender. Primeiro a aprender com a vassoura, na cabine, na altura tinha 13 anos. Estava fora da idade e, por isso, tive que me esconder da polícia, porque não era permitido trabalhar com essa idade. Entretanto, já mais à vontade dentro da cabine, ia vendo como é que aquilo funcionava. Brincava um bocadinho com a máquina sem ninguém ver. Com ela parada, claro. Via como arrancava, como parava. Mais tarde, ajudava o projecionista da altura a enrolar o filme e apagava a luz da sala, até que um dia me perguntaram se eu já era capaz de fazer a montagem do filme. Disse que sim e foi aí que comecei com essa tarefa, sempre com a supervisão do projecionista. Com o passar dos anos passei também a pôr a máquina a trabalhar”.
A 12 de março de 1950, Estarreja via nascer um novo edifício, um projeto do arquiteto Rodrigues Lima inaugurado com a exibição do filme “Aventuras do Príncipe Charlie” (1948), de Anthony Kimmins. Um espaço que faz parte da história. Polo de atração de públicos dos vários cantos da região, tanto pelo cartaz de cinema como pelas peças de teatro e revista.
José Sá recorda a presença da censura que cortava filmes. “Os pedaços de filme ficavam guardados nos cofres da empresa distribuidora que não podia deitá-los ao lixo. Então, a distribuidora colava os bocadinhos e fazia bobines de 1 hora. Enviava-nos e nós passávamos. Por exemplo, depois da sessão de domingo, vínhamos à porta, víamos quem podia ver – só quem conhecíamos – e dizíamos que, a partir da meia-noite, ia haver sessão. E isto enchia. Não tinha interesse, não tinha sequência nenhuma, mas a malta gostava, batia palmas. Era uma autêntica romaria”.
Nas memórias de uma vida ligada ao espaço cultural José Sá fala de uma vida familiar em duas casas. “Eu casei-me e dizia à minha mulher - ´olha, vou ter com a tua colega` -, que era a máquina. Estava casado com duas mulheres, a minha mulher e a máquina. Não fazia mais nada. Era uma doença. Gostava imenso disto. Se fosse hoje voltava tudo ao mesmo”.