Uma escolha que é mais do que o reviver o fantasma da Troika
A escolha do nome de Maria Luís Albuquerque, ex-ministra das Finanças entre julho de 2013 (sucedendo a Vítor Gaspar / Troika) e novembro de 2015 (queda do governo PaF, de Passos Coelho), independentemente dos elogios e aplausos e apesar das críticas e contestações, foi, para ambos os lados, uma surpresa.
Primeiro porque não tem qualquer experiência política europeia e, segundo, porque fez reviver os fantasmas do período trágico da política nacional de 2011 a 2014 (Memorando de Políticas Económicas e Financeiras / Memorando de Entendimento ou simplesmente, Plano da Troika).
O seu anúncio, tão reservado e sigiloso, traz ao espaço público e à memória, para uma grande fatia dos portugueses, más memórias, de um dos piores períodos de governação destes 50 anos de democracia.
Regressa o fantasma da austeridade, o mito da bancarrota, a ajuda externa (que Angela Merkel tanto contestou), dos sacrifícios, do colossal aumento da carga fiscal, da histórica emigração jovem e qualificada, etc., etc.
Mas, a bem da verdade, esta revisitação de um passado (apesar de recente) governativo serve para o confronto político-partidário e pouco mais. Mesmo em relação à escolha e ao perfil da possível comissária europeia diz pouco.
Há outros contornos que importa destacar e que se afiguram mais preocupantes quanto ao desempenho político europeu. E que nada, mesmo nada, tem a ver com o facto de ser mulher, ao contrário da surreal afirmação (mais uma) da ministra da Juventude e da Modernização, Margarida Balseiro, que, curiosamente, também tem a pasta da Igualdade, que referiu publicamente, ao elogiar (ou, pelos vistos, tentar elogiar) Maria Luís Albuquerque: “É Mulher? É! Mas é inteligente, competente, ...”. Tal como na vida, as palavras contam e pesam, e a adversativa, normalmente, em política, é desastrosa.
A questão é o que representa Maria Luís Albuquerque nos meandros da política europeia atual?
Isso é que é relevante para a função que, ao contrário da justificação apresentada por Luís Montenegro, não vai nem representar, nem defender os interesses dos portugueses e de Portugal porque, estatutariamente, um Comissário Europeu está impedido de receber instruções de governos nacionais dos Estados-Membros. Portanto, essa questão da nacionalidade é pura demagogia retórica.
Apesar de ainda termos que aguardar que o Conselho da União Europeia adote a lista de comissários com base nas propostas dos Estados-Membros e a passagem pelo crivo das votações das respetivas comissões parlamentares e da votação final no Parlamento Europeu, a questão é que o Governo apresenta o nome de alguém para um alto cargo político de quem não se conhece, publicamente, um pensamento, uma ideia, uma posição sobre a Europa e o projeto europeu. Não é uma questão de currículo ou mais ou menos competências técnicas e académicas. É uma questão de afirmação política para a assunção de funções e responsabilidades políticas.
E mais… Maria Luís Albuquerque representa e espelha muitos dos valores e princípios emergentes que a Europa e vários países europeus (por exemplo, a França, a Alemanha, Espanha e Portugal) têm vindo a travar e a lutar.
Quando se aceita apresentar, publicamente, perante altas figuras, como o ex Primeiro-ministro Pedro Passos Coelho, um livro é porque, minimamente, nos identificamos com o seu conteúdo e com a sua substância. Não nos envolvemos ou expomos só porque sim.
Há poucos anos, Maria Luís Albuquerque foi escolhida (e aceitou) para apresentar, publicamente, o livro “Um século de escombros – pensar o futuro com os valores da direita” (questionáveis quer os valores, quer a própria direita), escrito por Gabriel Mithá Ribeiro, deputado do Chega na Assembleia da República, dedicado a Trump, Bolsonaro, Orban e Steve Bannon. Com toda a carga programática, ideológica, de princípios e dos tais “valores da [extrema-]direita” que isso acarreta. A tal realidade que as últimas eleições europeias combateram e as recentes eleições francesas quiseram rejeitar.
E será neste contexto que a eventual futura comissária se irá movimentar nos corredores de Bruxelas ou de Estrasburgo.
A par disso, para várias análises e comentários políticos admitem que a atual AD se distanciou da governação de Passos Coelho (e do próprio), muito pela imagem negativa que a aproximação do ex-líder do PSD demonstra em relação ao Chega e pelas circunstâncias eleitorais nas eleições europeias.
Desenganem-se. Esta escolha espelha bem o quanto errado pode estar essa avaliação.
Não é assim tão grande o fosso entre os dois partidos, bastando olhar para o fluxo de troca de lugares dos sociais-democratas para a extrema-direita (como, aliás, foi recentemente notícia a adesão recente do ex-líder da JSD Madeira ao Chega - Madeira). Será até curioso aguardarmos para percebermos até que ponto Passos Coelho será ou não o candidato do PSD às eleições presidenciais de 2026, apesar das manobras de distração (ridículas, diga-se) do líder da bancada parlamentar social-democrata, Hugo Soares.
E isto contará muito mais que contarmos armas do passado.
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Podcast Politicamente Insurreto (temporada #1 - episódio #6) | 11.27 MB |