Investigadores da Universidade de Aveiro (UA), da Universidade de Coimbra (UC), e da Universidade Nova de Lisboa integram uma equipa internacional que mediu o raio do núcleo atómico do hélio com um nível de precisão sem precedentes. Os resultados são publicados amanhã, dia 28 janeiro, na prestigiada revista científica Nature.
A seguir ao hidrogénio, o hélio é o segundo elemento mais abundante no universo. Cerca de um quarto dos núcleos atómicos que se formaram nos primeiros minutos após o Big Bang eram núcleos de hélio. Eles são constituídos por quatro blocos de construção: dois protões e dois neutrões. Do ponto de vista da física fundamental, é crucial conhecer as propriedades do núcleo do hélio para, entre outros, entender os processos de outros núcleos atómicos que são mais pesados que o hélio.
Tal como tinha acontecido com o protão, o conhecimento prévio sobre o núcleo de hélio provém de experiências com eletrões. Esta colaboração desenvolveu um novo método para a medição, utilizando muões em vez de eletrões, que permitiu determinar o tamanho do núcleo do hélio com uma precisão cerca de cinco vezes superior à das anteriores medições. De acordo com os resultados obtidos, o designado raio de carga médio do núcleo do hélio é 1,67824 fentómetros (há 1 mil biliões de fentómetros num 1 metro).
O conceito em que assenta a nova metodologia é simples: num átomo “normal” são eletrões que orbitam em torno do núcleo; nesta abordagem, os eletrões são substituídos por um muão, formando um átomo exótico, no presente caso o hélio muónico. O muão é considerado o irmão do eletrão, mas cerca de 200 vezes mais pesado. Um muão está muito mais fortemente ligado ao núcleo atómico do que um eletrão e orbita em órbitas cerca de 200 vezes mais próximas do núcleo. Consequentemente, o hélio muónico permite tirar conclusões sobre a estrutura do núcleo atómico e medir suas propriedades.
As experiências utilizaram muões (partículas semelhantes aos eletrões e cerca de 200 vezes mais pesadas), e foram realizadas no Paul Scherrer Institut (PSI), Suíça, o único centro de investigação do mundo capaz de produzir uma quantidade suficiente de muões para esta investigação.
Este trabalho de investigação contou com a colaboração de 40 investigadores, provenientes da Alemanha, entre os quais se destaca T. W. Hänsch, prémio Nobel da Física de 2005, Suíça, França, Taiwan e Portugal. Dois investigadores são da Universidade de Aveiro (Daniel Covita e João Veloso, o coordenador), cinco são da Universidade de Coimbra (Luís Fernandes, Fernando Amaro, Cristina Monteiro, Andreia Gouvea e Joaquim Santos, o coordenador), e três são da Universidade NOVA de Lisboa (Jorge Machado, Pedro Amaro e José Paulo Santos, o coordenador).
A Equipa Portuguesa deu uma contribuição decisiva para o sistema de deteção dos raios-X emitidos pelos átomos muónicos, para o sistema de controlo e monitorização da experiência e para a teoria.
Esta colaboração internacional já tinha medido o raio do protão em 2010 utilizando a mesma abordagem. Nessa altura, o valor medido diferia do obtido por outros métodos de medição que utilizavam eletrões. Falou-se de um mistério do raio do protão, e alguns especularam que uma nova física poderia estar por trás disso na forma de uma interação até então desconhecida entre o muão e o protão, diferente da interação entre o eletrão e o protão.
Desta vez, não há contradição entre o novo valor mais preciso e as medições efetuadas com os outros métodos. Tal torna improvável a explicação dos resultados recorrendo a “nova física” que vai além do modelo padrão. Além do mais, os valores obtidos nas recentes medições do raio do protão com eletrões aproximam-se do valor medido por esta colaboração com muões, em 2010. De certa forma, O enigma do mistério do raio do protão ainda existe, mas está lentamente a deslindar-se.
A medição deste trabalho pode ser utilizada em vários contextos. Os nucleões (constituinte dos núcleos) atómicos são mantidos juntos pela designada interação forte, uma das quatro forças fundamentais da física. Recorrendo à teoria que descreve a interação forte, conhecida como cromodinâmica quântica, os físicos podem prever o raio do núcleo do hélio e de outros núcleos atómicos leves com alguns protões e neutrões. O valor agora medido, com elevada precisão, do raio do núcleo de hélio coloca as previsões teóricas à prova e possibilita o teste de novos modelos teóricos da estrutura nuclear.
As medições do hélio muónico também podem ser comparadas com as que são obtidas em experiências em que são utilizados átomos e iões “normais”. Ao comparar os resultados obtidos com as duas abordagens, pode-se tirar conclusões sobre constantes naturais fundamentais, como a constante de Rydberg, a constante da Física que foi determinada com maior precisão, que está fortemente interligada com o tamanho do protão e que desempenha um papel importante na mecânica quântica.
Esta medição é o resultado de 20 anos de colaboração comprovada entre institutos de renome internacional, incluindo PSI, ETH Zurich, o Instituto Max Planck de Ótica Quântica em Garching, o Institut für Strahlwerkzeuge da Universidade de Stuttgart e o PRISMA + Cluster de Excelência na Universidade Johannes Gutenberg de Mainz, bem como o Laboratório Kastler-Brossel em Paris, e as Universidades de Coimbra, de Aveiro e Nova de Lisboa, em Portugal, e a Universidade Nacional Tsing Hua, em Taiwan.
O trabalho foi financiado pelo European Research Council, pela Swiss National Science Foundation e pela German Research Foundation, pela Fundação para a Ciência e Tecnologia, entre outros.