Afinal a água não é um líquido. São dois entrelaçados num só.
Uma investigação da UA conclui que há dois líquidos misturados num copo de água.
A confirmação que nos impedirá daqui para a frente de olhar para a água com os mesmos olhos é de uma equipa de investigadores da Universidade de Aveiro (UA).
“Para uma molécula tão simples [H2O], a água tem algumas particularidades estranhas. Ao contrário da maioria dos líquidos, a água expande-se quando congela e tem um ponto de ebulição surpreendentemente elevado. Estas particularidades resultam da forma única como as moléculas de água interagem através de ligações de hidrogénio”, começa por explicar Luís Carlos, um dos autores do estudo a par com Fernando Maturi, Ramon Filho e Carlos Brites, todos investigadores do Departamento de Física e do CICECO – Instituto de Materiais de Aveiro, uma das unidades de investigação da UA.
“O nosso trabalho revela uma compreensão mais profunda da influência da água em vários campos e é um salto em frente para desvendar os mistérios desse líquido essencial que pode ser compreendido não como um líquido complexo, mas sim como dois líquidos simples com uma relação complexa”, congratula-se Luís Carlos.
Publicado com honras de capa no The Journal of Physical Chemistry Letters, o trabalho teve ainda a parceria da Universidade de Singapura e do Harvey Mudd College (USA).
Apesar de todo o conhecimento sobre a água, as suas propriedades anómalas e as transições de fase continuam a ser um complexo quebra-cabeças científico.
O enigma, sublinha Luís Carlos, “diz respeito não apenas à água pura, mas também a misturas de água com sais, biofluídos e nanofluídos aquosos”.
“As anomalias da água podem explicar-se considerando que esta comporta-se de forma ‘camaleónica’, existindo como uma mistura de duas formas: um líquido de baixa densidade (LDL), onde as moléculas se ligam ocupando um volume maior, e um líquido de alta densidade (HDL), onde as moléculas se ligam de forma mais compacta”, aponta o investigador.
Esta ideia de que a água pode ser descrita como uma mistura de duas estruturas diferentes de ligações de hidrogénio, foi proposta pela primeira vez em 1892 por Wilhelm Röntgen, um físico alemão que recebeu o primeiro Prémio Nobel da Física em 1901 como reconhecimento pela sua descoberta dos raios-X, tendo sido revisitada no final do século XX.
“Embora haja evidências que confirmem a coexistência destas duas formas da água a temperaturas muito baixas, a sua comprovação à temperatura ambiente tem sido um quebra-cabeças”, aponta Luís Carlos.
O quebra cabeças foi finalmente desvendado pela equipa da UA. P
ara conseguirem provar a existência de duas formas de água entrelaçadas entre si os investigadores utilizaram nanopartículas emissoras de luz para seguir o movimento das moléculas de água em redor da nanopartícula à medida que a temperatura do fluído aumenta.
“Observámos dois tipos distintos de movimento, sugerindo que, abaixo dos 45 ºC, a água alterna entre o estado LDL e o estado HDL, mais comum na água líquida, fazendo com que as nanopartículas se movam mais lentamente. Acima desta temperatura, a água existe maioritariamente no estado HDL, o que leva a um movimento mais rápido das nanopartículas”, desvenda Luís Carlos.
Ao controlar a proporção relativa das estruturas LDL e HDL, os cientistas poderão agora ser capazes de influenciar o comportamento da água líquida. Luís Carlos dá como exemplo a existência no futuro de um processo de dessalinização da água mais efetiva.
“O LDL é 20 por cento menos denso do que o HDL, afetando a forma como a água se move. Isto poderá ajudar-nos a remover o sal da água do mar com mais eficiência fabricando novas membranas de dessalinização”, antevê.
A descoberta dos investigadores da UA podem também levar à construção de catalisadores superpotentes.
“Como o LDL e o HDL interagem de forma diferente com superfícies carregadas com uma carga eléctrica, poderemos potencialmente projetar catalisadores que funcionem melhor em água ajustando o ambiente ao redor deles”.
Também no campo da medicina a descoberta pode ser potencializada.
“Alguns medicamentos antitumorais parecem afetar o estado dinâmico da água dentro das células. Compreender essa conexão pode levar a tratamentos mais eficazes”, deseja Luís Carlos.