Cláudia Cruz Santos apresenta “Nenhuma verdade se escreve no singular” como espaço de liberdade de quem se habituou a escrever textos mais técnicos sobre direito mas que agora faz uma incursão pelo romance.
Fala da vida pessoal de Amália, uma juíza que passa as noites acordada, presa nas suas muitas perguntas sem resposta. Livro que aborda, sob a forma de romance, os conceitos de justiça, liberdade e a capacidade de encontrar nas “verdades” um fio condutor para as decisões que influenciam a vida dos cidadãos.
“Num julgamento penal esta juíza contacta com diferentes verdades porque há várias perspetivas sobre o acontecimento. Tem noção que dessa verdade resultam consequências que podem ser dramáticas para a vida das pessoas. E tem dificuldade, em muitos casos, em compreender qual é essa verdade”.
Cláudia Cruz Santos nasceu em Aveiro. Doutorou-se em Ciências Jurídico-Criminais pela Faculdade de Direito de Coimbra, onde é professora auxiliar e docente de Direito Processual Penal e de Criminologia. Com a escrita diz ter encontrado um mundo novo feito de liberdade criativa.
Sobre a Justiça em Portugal diz que se fazem análises superficiais sobre o seu funcionamento e revela que os cidadãos tendem a ser tolerantes com o que conhecem e pouco tolerantes em questões que não dominam. “As pessoas usam um peso para avaliar o seu comportamento e o dos seus próximos e são intolerantes com aqueles que não conhecem”, resume a docente.
“Acho que é bom que as pessoas estejam atentas ao funcionamento da justiça mas devem aprender a fazer avaliações mais profundas e menos superficiais, menos orientada para o linchamento. Temos que ser convocados para uma reflexão mais profunda” (com áudio).
O caso do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto sobre uma vítima de violência doméstica que motivou amplo debate em Portugal foi analisado como contendo “erros de fundamentação” à luz da Constituição e uma das notas vai para o funcionamento do Órgão enquanto espaço colegial.
“A fundamentação é completamente contrária à Constituição e contrária à Lei porque assenta numa discriminação em função do género. A indignação que o Acórdão tem merecido e que é legítima deve merecer reflexão. Nesse Acórdão há um problema de fundo: o legislador, quem fez o Código do Processo Penal, quis que os recursos fossem decidido por um órgão colegial. Se o Acórdão resulta do entendimento apenas de um juiz porque as outras pessoas que deviam ter participado não participaram na discussão isso significa que a lei não está a ser cumprida”.
Entrevistada no programa “Conversas” que será emitido às 19h, Cláudia Cruz Santos fala sobre a experiência na Justiça Desportiva. Foi a primeira mulher a presidir a um Órgão Disciplinar das competições profissionais de futebol em Portugal.
Sobre a presença na Liga Portuguesa de Futebol Profissional, na Comissão de Instrução e Inquérito, revela que foi um tempo importante para reforçar uma aposta numa justiça que trata todos por igual.
Destaca as sentenças que confirmaram o equilíbrio da instrução, com as decisões da Comissão Disciplinar da Federação Portuguesa de Futebol, mas revela que não é favorável à criação de um Tribunal Arbitral.
“Não sou defensora de um Tribunal Arbitral do Desporto. Essa justiça feita por árbitros tem custos muito elevados. É uma justiça que me suscita grandes dúvidas em domínios de grande conflitualidade e grande desigualdade entre agentes desportivos. Muitos têm dinheiro para litigar mesmo quando não têm razão e outros não tem dinheiro sequer para manter o clube em funcionamento”.