A importância do brincar nos espaços exteriores em tempos de COVID19
 
Ao longo do tempo a espécie humana tem enfrentado fenómenos desconhecidos da comunidade científica. No século XXI, as mais faladas foram a Síndrome Respiratória Aguda Grave-Sars-CoV (2003), a Pandemia de Influenza A - H1N1 (2009) e atualmente a Covid-19 –Sars-CoV-2. Todas estas situações exigiram ao ser humano alterações de atitudes e de comportamentos, designadamente relacionados com higiene e interação, com os outros e com o mundo envolvente, mas também o apelo a outras competências, nomeadamente a gestão de emoções (medo, raiva, angústia), a capacidade de adaptação e a flexibilidade de pensamento e de comportamento.
As recomendações preventivas preconizadas pelos serviços de saúde (OMS e SNS) foram o distanciamento social, o redobrar da higiene do nariz, garganta e mãos, e o uso de máscara, principalmente em locais públicos. Ao compararmos as recomendações de 2003, 2009 e 2020, verificamos que são semelhantes, senão idênticas. Há, no entanto, algo novo a partir da Pandemia de Influenza A - H1N1 (2009) – a diminuição da taxa de ocupação dos espaços interiores, dependendo da área física disponível, e o seu arejamento frequente.
O significado de interação, segundo o Dicionário da Língua Portuguesa, é ação recíproca entre dois ou mais indivíduos e/ou intercâmbio de comunicação que se processa entre indivíduos. Essa ação e/ou intercâmbio de comunicação são construções sociais e culturais, definidas num tempo, contexto e circunstância específicos. Todos os estudos são perentórios em afirmar o papel das interações, afetos e comunicação no desenvolvimento Humano, o que torna claro que continuam a ser essenciais, mesmo em circunstâncias excecionais, como o que vivenciamos em tempo de COVID-19.
O momento que atravessamos é um tempo e contexto muito específicos, que nos leva, inevitavelmente, a repensar e a redefenir a(s) leitura(s) e padrões culturais de interações, de afetos e de processos, mecanismos de comunicação e espaços utilizados (interior e exterior).
Em 2009, o impacto do H1N1 ao nível da utilização do espaço exterior/natureza como contexto de aprendizagem e desenvolvimento das crianças foi pontual, continuando a ser privilegiados os espaços interiores, na maioria dos contextos educativos portugueses. Senão vejamos os resultados de um trabalho académico realizado (Figueiredo, 2015), entre 2011 e 2015: as crianças dos quatro jardins-de-infância participantes no estudo permaneciam no exterior 10.8% do tempo passado nos centros de apoio à infância, por períodos curtos de tempo, oscilando, em média, entre 30 e 50 minutos, dedicando ao brincar apenas uma pequena fração desse tempo (Figueiredo, 2015). Este dado suscita alguma apreensão e reflexão, mesmo sem ser em tempo de COVID-19, uma vez que, de acordo com diversos estudos realizados, a maioria dos educadores considera o brincar o processo natural de aprendizagem das crianças e uma estratégia fundamental no processo educativo. Verificou-se, ainda, que a saída das crianças para o exterior ocorria em condições meteorológicas consideradas pelos adultos como favoráveis, com temperaturas entre os 14.1ºC e os 21.7ºC e sem pluviosidade. A disparidade entre estes dados e os estudos realizados nos países nórdicos pode ter por base fatores histórico-culturais e sociais, como referido anteriormente (Figueiredo, 2015).
Os motivos para tais resultados foram diversos: falta de sensibilidade e de intencionalidade dos adultos, tempo “objetivo”, mas também “subjetivo”, condições meteorológicas, pressão dos pais para o sucesso académico, dificuldade em integrar o espaço exterior nas rotinas, e, por último, falta de atribuição de significado ao papel do espaço exterior na aprendizagem e desenvolvimento.
Regressando à situação atual, e de acordo com epidemiologistas e virologistas, o Sars-CoV-2 veio para ficar, podendo, ou não, transformar-se em endémico. Assim sendo, é pertinente e responsável fazermos uma reflexão sobre o papel dos espaços exterior/natureza no dia-a-dia das crianças e nos padrões de interação aí estabelecidos, quer seja entre pares ou entre crianças e adultos. Da minha experiência de 10 anos em contacto direto com crianças que permanecem em espaços exteriores/natureza, quer em países nórdicos quer em Portugal, essencialmente pela observação de crianças que frequentam o Projeto Limites Invisíveis, em Coimbra, do qual a UA é parceiro desde 2016, as crianças utilizam os espaços de forma muito específica dependente dos seus interesses e competências e tem uma base individual, isto é, cada criança perceciona oportunidades de ação de acordo com o que estão a sentir e quais os seus interesses, em cada momento, levando a que o brincar seja diversificado e os espaços utilizados também, levando a uma maior dispersão pelo espaço físico. Nesta perspetiva, o adulto, face a cada interação estabelecida criança-espaço, deve ter consciência, sensibilidade e capacidade de observação que lhe permita ir ao encontro das necessidades do grupo, mas também de cada criança.
Na verdade, as crianças referem como espaços ideais os que envolvem mistério, magia, complexidade, desafio, possibilidades de sentir, pensar, agir e criar, bem como espaços que integrem diversidade de elementos – manufaturados e da natureza –, alterações na topografia, lugares de intimidade e onde ocorram a mudança e a possibilidade de construção e reorganização do espaço – dimensões catalisadoras da curiosidade e do desejo de movimento e de exploração, indispensáveis à aprendizagem e ao desenvolvimento (Figueiredo, 2015).
A vivência de diferentes e variadas experiências nos espaços exteriores/natureza aumenta as oportunidades do brincar – mais complexo e diversificado –, que incentivam a imaginação e a criatividade (Eriksen & Høyer, 2004 as cited in Williams-Siegfredsen, 2012; Fjørtoft, 2001). Do mesmo modo, diversos autores (Baranowski, Thompson, Durant, Baranowski & Puhl, 1993; Faber-Taylor, Kuo, & Sullivan, 2001; Fjørtoft, 2001, 2004; Hinkley et al., 2008), defendem a existência de uma forte correlação entre a atividade física das crianças da educação pré‑escolar e a sua permanência em espaços exteriores, sendo fundamental a oferta de espaços ricos em oportunidades de ação (cognitivas, emocionais e físicas). Neste ponto, tenho de referir a necessidade de repensar os padrões de interação e de comunicação entre adultos e crianças. O adulto deve incentivar cada criança a usufruir ao máximo das suas competências já consolidadas e ser suportivo nas competências ainda emergentes, permitindo à criança testar os seus limites. A aprendizagem e desenvolvimento ocorrem no brincar, sendo este a essência da própria criança.
Assim sendo, quero acreditar que o Sars-CoV-2, contrariamente ao verificado em 2009, promoverá um contacto, sistemático e prolongado, com o espaço exterior/natureza, que, pelas suas características únicas, convida à descoberta, exploração, desafio, autonomia, criatividade, imaginação e resolução de problemas, permitindo à criança uma interação única com o meio envolvente baseada em liberdade para investigar, testar e afirmar experiências e possibilidades de brincar.
Links:
http://limitesinvisiveis.pt/pt/
 
Episódios
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