As grandes ideias surgem muitas vezes em contra-corrente. Foi assim que uma equipa de investigadores dos departamentos de Engenharia Mecânica (DEM) e de Ciências Médicas (DCM) da Universidade de Aveiro (UA) começou o caminho rumo à criação de implantes ortopédicos com dispositivos eletrónicos no seu interior, capazes de se tornarem ativos e aplicarem terapias baseadas em estimulação eletromagnética. Um póster sobre este tema foi premiado no dia da investigação da UA. O trabalho já deu artigos em publicações de elevado impacto.
Chamam-se “implantes instrumentados ativos” e resultam da ideia de que os atuais implantes ortopédicos intracorporais têm várias insuficiências. A alternativa, que passa por implantes com instrumentação no seu interior com capacidade de atuar sobre os tecidos ósseos envolventes, pareceu natural ao investigador Marco Santos, com formação anterior em Engenharia Eletrotécnica, e aos colegas de equipa. Mas, como vulgarmente acontece com as ideias disruptivas, não se esperam facilidades. Portanto, foi muito pouca, para não dizer nenhuma, a recetividade nas primeiras abordagens a alguns profissionais de saúde.
Atualmente, a investigação internacional nesta área orienta-se, essencialmente, para duas vertentes: optimização do design dos implantes e dos seus materiais, por um lado, e o desenvolvimento de revestimentos bioactivos, por outro.
Por isso, o primeiro passo foi provar teoricamente como esta nova metodologia poderá ser mais vantajosa em relação às que têm sido seguidas pela esmagadora maioria das equipas de investigação nesta área científica. Esta primeira fase do trabalho já foi publicada no renomado Journal of Franklin Institute, dedicado a temas de Matemática Aplicada.
Com este conceito de implante instrumentado, pretende-se minimizar o número de cirurgias de revisão e melhorar a qualidade de vida das pessoas que já foram sujeitas à cirurgia primária. O nosso objetivo, sublinha Marco Santos, “é desenvolver um implante com capacidade de otimizar a integração osso-implante, aplicando estímulos biofísicos controlados pelo médico para que se possa personalizar a atuação do implante em toda a sua interface com o osso”.
Escalada em quatro degraus
A investigação desta nova solução tem vindo a cumprir várias etapas que não passam apenas pela equipa de investigadores da UA. Uma das etapas, incide sobre o desenvolvimento de atuadores terapêuticos que ficam à superfície do implante e aplicam estimulação eletromagnética aos tecidos ósseos envolventes. Uma equipa da Universidade de Rostock, na Alemanha, também tem desenvolvido investigação neste âmbito, mas as suas soluções apresentam “algumas limitações”, na perspetiva de Marco Santos. Os atuadores desenvolvidos pela equipa da UA têm maior potencial para minimizarem as falhas dos implantes, considera, pois permitem aplicar terapias controláveis, mesmo em regiões muito próximas do tecido envolvente e mesmo após a cirurgia. Deste trabalho resultou um artigo já aceite para publicação no periódico Scientific Reports.
Outra vertente de investigação pressupõe o desenvolvimento de sistemas que monitorizem a integração do osso com o implante, temática que estes investigadores também já começaram a abordar. Uma terceira, tem por objetivo otimizar um sistema de comunicação entre a instrumentação no interior do implante e sistemas de controlo extracorporais, neste caso, uma plataforma a ser comandada por médicos especialistas. Uma quarta vertente do trabalho incide sobre uma área de investigação sem a qual o funcionamento destes implantes não é possível: a geração de energia elétrica.
Na base, está a energia
Há muito conhecimento produzido ao nível dos sistemas de energia que podem ser considerados mas, até agora, salienta Marco Santos, nenhum deles pode ser optimizado para aplicação nestes dispositivos médicos. Procura-se um desenvolver um sistema que tenha potencialidade para gerar autonomamente energia elétrica dentro do implante. O método mais promissor que já foi identificado consiste na utilização da energia cinética, resultante do movimento dos pacientes, para a geração autónoma de energia. Para isso, foi necessário realizar um estudo de modelação dos mecanismos que ocorrem na geração de energia, etapa que se cumpriu, apenas em parte, com o doutoramento de Marco Santos. Assim, a investigação encaminha-se para o desenvolvimento de uma solução integrada, envolvendo sistemas de geração baseados em levitação magnética, sistemas de armazenamento e de gestão de energia, de modo a assegurar energia suficiente no período pós-operatório e em situações em que terapias mais prolongadas são necessárias.
A equipa de investigadores, na UA, para além de Marco Santos, envolve Jorge Ferreira, José Simões, ambos professores do DEM e investigadores do Centro de Tecnologia Mecânica e Automação (TEMA), e ainda Sandra Vieira e Odete da Cruz e Silva, professoras do DCM e investigadoras do Instituto de Biomedicina de Aveiro (IBIMED). Edward Furlani, da Universidade de Nova York, em Buffalo, também faz parte da equipa do projeto.
Texto e foto: UA