O telefone toca nos serviços de emergência. Do outro lado da linha chega a informação de mais um acidente de viação nas estradas nacionais. Terá feito vítimas? Com que gravidade? Na Universidade de Aveiro (UA), a investigadora Guilhermina Torrão desenvolveu modelos matemáticos que permitem prever a gravidade do acidente de forma a que, rapidamente, com a introdução dos dados relativos à idade e à cilindrada dos veículos envolvidos, se possa antever qual a probabilidade da existência ou não de feridos graves ou de vítimas mortais. Os modelos potenciam que num futuro, o socorro às vítimas possa ser melhorado com as equipas de emergência médica e bombeiros a levarem para o local o equipamento de socorro ideal tendo em conta o possível cenário.
“O número de vítimas de acidentes de tráfego por milhões de habitantes em Portugal tem-se mantido mais elevado do que a média da União Europeia”, aponta Guilhermina Torrão cujo trabalho foi realizado no âmbito de uma investigação de Doutoramento. A investigadora lembra que só em 2012 “mais de 9 pessoas sofreram diariamente ferimentos graves ou morreram” em Portugal como consequência de acidentes de viação. Nesse sentido, e por considerar que ao nível nacional “torna-se premente uma melhor compreensão dos dados de acidentes e análise do efeito do veículo na gravidade do mesmo”, Guilhermina Torrão recolheu dados sobre acidentes de viação junto da GNR do Porto para o período de 2006 e 2010.
Os modelos desenvolvidos pela investigadora do Grupo de Investigação em Tecnologia dos Transportes no Departamento de Engenharia Mecânica da UA e no Institute for Transportation Research & Education, da Universidade do Estado da Carolina do Norte (EUA), permitem já prever as consequências para condutores e passageiros em acidentes envolvendo um ou dois veículos ligeiros.
Face aos resultados obtidos, para os acidentes envolvendo um único veículo, isto é situações de despiste, “o modelo de previsão do risco de gravidade identificou a idade e a cilindrada do veículo como estatisticamente significativas para a previsão de ocorrência de feridos graves ou de mortos”.
Tal como seria expectável, afirma Guilhermina Torrão, “veículos mais antigos oferecem sistemas de segurança activa e segurança passiva menos eficientes e, por conseguinte, conferem menor protecção para os seus ocupantes”. Por exemplo, aponta, “a inexistência de airbags nos modelos mais antigos aumenta o risco do acidente ser grave”.
Quanto à interpretação do factor da cilindrada do veículo esta é, contudo, menos óbvia. “Veículos com maior cilindrada têm por vezes maior poder de aceleração”, explica a investigadora. Na prática, e exemplificando, “temos o caso dos veículos desportivos com turbo onde o perfil do condutor poderá potenciar conduções com velocidade excessiva e menosprezo do risco associado”. Comparando os dois fatores de risco identificados, a idade do veículo e a cilindrada do veículo, Guilhermina Torrão aponta que o primeiro “tem um efeito mais significativo no aumento do risco da gravidade do acidente”.
Para o caso de acidentes envolvendo dois veículos, isto é colisões, o estudo da UA aponta que “os modelos de previsão do risco de gravidade do acidente revelaram que as consequências do acidente estão mais directamente relacionadas com as características do outro veículo envolvido na colisão, do que propriamente com as características do veículo em análise”.
Para as colisões, desvenda Guilhermina Torrão, “os modelos desenvolvidos para prever a probabilidade de feridos graves e ou mortos, constataram que a cilindrada do veículo oposto aumenta o risco para os ocupantes do veículo analisado”.
Para a interpretação do resultado destes modelos, a investigadora apresenta o seguinte exemplo: “Supondo que o veículo em análise tem uma colisão com um veículo pequeno de 799 centímetros cúbicos, a probabilidade dos ocupantes do veículo em análise sofrerem ferimentos graves ou morrerem é de 12 por cento, e portanto o risco tende a ser baixo”. Situação bem diferente será se o veículo em análise sofrer uma colisão com um veículo maior, com uma cilindrada de 3600 centímetros cúbicos. “Neste caso a probabilidade dos ocupantes do veículo em análise sofrerem ferimentos graves ou morrerem é de 98 por cento”, sublinha. Ou seja, “se a colisão envolver um veículo de grande cilindrada é quase certo que o acidente será grave”.
Os modelos desenvolvidos na UA demonstram a necessidade de integrar as características do parque automóvel na análise dos indicadores de segurança rodoviária em termos nacionais. “Se é verdade que os testes de segurança automóvel incentivam os fabricantes a produzirem carros mais seguros e orientam o consumidor na escolha do veículo, também é necessário estar consciente das limitações desses mesmos testes”, avisa.
“A própria European New Car Assessment Program [programa de segurança automóvel da União Europeia] desencoraja a comparação dos ratings de segurança entre veículos da mesma classe cuja diferença de peso seja superior a 113 quilogramas”, diz. Em acidentes reais, acrescenta, “não existe nenhum controle entre as diferenças de peso e dimensões dos veículos envolvidos em colisões nas estradas e, tal como comprovam os modelos desenvolvidos, as características do veículo oponente são preponderantes para a probabilidade de o acidente resultar em grave ou não grave”.
Na continuação de trabalho futuro, para além do interesse para as equipas de emergência, os modelos de previsão da gravidade do acidente com base nas características técnicas dos veículos envolvidos poderão ter aplicação na indústria automóvel, de forma a que esta possa optimizar a relação de compromisso entre poder de aceleração e o design dos veículos, e pelas seguradoras, para que possam determinar o prémio do veículo segurado tendo com base as suas características técnicas mais especificas.
Texto: UA