Uma investigação do CICECO (Aveiro Institute of Materials), da Universidade de Aveiro, descobriu a forma de transformar resíduos industriais em cimento. São cerca de dois milhões as toneladas de resíduos industriais que Portugal produz anualmente e cujo destino um grupo de investigadores da Universidade de Aveiro (UA) quer transformar em cimento. A solução descoberta no CICECO pretende não só acabar com o problema ambiental que é a permanência em aterros dos lixos industriais que chegam a ter um tempo de vida de dezenas de milhares de anos, como também valorizá-los como matéria-prima.
Entre os resíduos industriais cujos investigadores da academia de Aveiro descobriram forma de lhes dar uma segunda vida, estão sobretudo os inorgânicos, como as cinzas produzidas pelas celuloses, os detritos das pedreiras e as tóxicas lamas vermelhas provenientes das fábricas de alumínio. O resultado alcançado é um cimento com grau zero de toxicidade e que cumpre tão bem a função como outro qualquer à venda no mercado.
“Os cimentos que alcançámos podem ser usados como os que já existem”, aponta João Labrincha. O investigador do Departamento de Engenharia de Materiais e Cerâmica e coordenador do estudo do CICECO desvenda que o trabalho “replicou as composições do cimento Portland, o ligante hidráulico comum”, ou seja, o tipo de cimento mais utilizado na construção civil devido à sua elevada resistência.
Em paralelo, e com os mesmos ingredientes postos de lado pelas indústrias, os investigadores João Labrincha, Paula Seabra e Leire Buruberri conseguiram igualmente formular um cimento “à base de belite e silicato tricálcico, que são constituintes do cimento Portland”, e que é mais ecológico “porque é cozido a uma temperatura mais baixa [a 1300 grau Celsius ao invés dos 1450 do Portland comum]. Como tal, este cimento é ainda mais ecológico pois “permite poupar uma quantidade considerável de energia no seu fabrico e diminuir as emissões de dióxido de carbono” para a atmosfera.
O processo de fabrico dos cimentos à base de resíduos industriais, em quase tudo semelhante ao já produzido industrialmente, tem alguns segredos e uma diferença. “A mistura bem moída de componentes à base de argilas e calcários foi por nós substituída pelos resíduos. Esta [mistura] é depois colocada diretamente num forno e gera, após calcinação, um pó chamado clínquer com características hidráulicas”, aponta João Labrincha. “Isto quer dizer que reagem [endurecendo] com a água, gerando estruturas sólidas”, explica o investigador. Quanto à componente orgânica, caso exista nos resíduos, aponta João Labrincha, esta “é completamente queimada nos fornos e pode ser transformada em energia térmica”.
Num estudo recentemente publicado no Journal of Hazardous Materials, um jornal de referência internacional na área ambiental, a equipa do CICECO centrou-se nos resíduos gerados pelas empresas de celulose. Lembra João Labrincha que, apenas um dos grupos empresariais portugueses que fabrica pasta de papel, produz 150 mil toneladas de resíduos por ano. Trata-se apenas de uma pequena amostra da quantidade de resíduos industriais produzidos no país que a equipa de João Labrincha quer ver, literalmente, a subir pelas paredes.
Texto e foto: UA