Em 1907 Albert Einstein garantia ser impossível medir a velocidade instantânea de micro e nanopartículas em suspensão num líquido ou num gás. A conclusão do prémio Nobel sobre o movimento Browniano permaneceu até hoje, dia em que os investigadores da Universidade de Aveiro (UA) Carlos Brites, Mengistie Debasu, João Rocha e Luís Carlos, dos Departamentos de Física e de Química, anunciam na prestigiada revista Nature Nanotechnology a solução que os meios tecnológicos existentes durante a vida do prémio Nobel da Física jamais permitiriam alcançar.
A descoberta pode agora potenciar o desenvolvimento de processos de refrigeração mais eficientes e sustentáveis usando nanofluídos (nanopartículas suspensas em líquidos) em indústrias como a microeletrónica e a nuclear.
O movimento Browniano é o movimento aleatório de partículas em suspensão num líquido ou num gás, resultante da colisão destas partículas com as moléculas do fluído. O botânico Escocês Robert Brown foi o primeiro cientista a estudar, em 1827, o movimento Browniano, observando ao microscópio grãos de pólen deslocando-se aleatoriamente em água. Em 1905, Albert Einstein publicou um artigo explicando que o movimento observado por Brown era é uma consequência do movimento térmico das moléculas de água. Esta explicação do movimento Browniano serviu como prova convincente da existência de átomos e moléculas (que na época era motivo de discussão), tendo sido confirmada experimentalmente por Jean Perrin em 1908.
A compreensão do movimento Browniano dá-nos uma visão íntima do mundo microscópico, permitindo-nos compreender como as substâncias interagem umas com as outras em diferentes escalas de tempo. No último século, estudar o movimento Browniano por técnicas convencionais foi um desafio considerável devido aos movimentos rápidos e aleatórios das partículas, que ocorrem em intervalos de tempo muito curtos, cerca de 10-10 s (o chamado regime balístico). Uma vez que o movimento Browniano é extremamente sensível à variação da temperatura, a nanotermometria, medida da temperatura à nanoescala (uma escala de tamanhos um milhão de vezes mais pequena que um milímetro), é uma ferramenta poderosa para estudar este movimento.
Uso de nanofluídos pode gerar milhões de dólares
Uma equipa liderada por Luís Carlos, do Departamento de Física e do CICECO-Instituto de Materiais de Aveiro da UA, Xiaogang Liu, do Departamento de Química da National University of Singapore, juntamente com investigadores da Universidade Nanjing Tech (China), acaba de mostrar que a medida da temperatura de nanofluídos, realizada através da emissão de luz (luminescência) pelas nanopartículas em suspensão, permite calcular a velocidade instantânea balística de nanopartículas com diferentes tamanhos e formas.
Medir a velocidade instantânea de micro e nanopartículas é, no entanto, uma tarefa extremamente difícil, como concluiu Einstein num artigo de 1907: "devido à rápida randomização do movimento é impossível medir, na prática, a velocidade instantânea, pelo menos de partículas ultramicroscópicas". Ao lograr medir a velocidade instantânea de nanopartículas dispersas num líquido, o trabalho agora publicado mostra que Einstein não tinha razão.
A compreensão plena do movimento Browniano de partículas suspensas em fluídos tem um considerável impacto científico e tecnológico permitindo, por exemplo, perceber melhor como é que as nanopartículas alteram as propriedades térmicas dos fluídos (água, álcool ou óleos) onde estão suspensas. O aumento da condutividade térmica de nanofluídos (relativamente à condutividade térmica desses mesmos fluídos sem as nanopartículas), por exemplo, potencia o seu uso em processos de transferência de energia sob a forma de calor (refrigeração).
Melhorar estes processos de refrigeração desenvolvendo fluídos mais eficientes é um dos desafios tecnológicos mais importantes dos nossos dias, afetando inúmeras indústrias, incluindo a microeletrónica, dos transportes, de iluminação de estado sólido e a nuclear (uma transferência de calor mais eficiente no sistema de arrefecimento da central nuclear de Fukushima Daiichi poderia ter evitado o desastre após o tsunami de 2011).
Os nanofluídos são, atualmente, substitutos viáveis dos fluídos convencionais cujas propriedades térmicas são relativamente pobres, o que impede o desenvolvimento e a miniaturização de sistemas térmicos sustentáveis. A Comissão francesa de Energia Atómica e Energias Alternativas (CEA) estima que o uso de nanofluídos em processos de transferência de calor possa vir a gerar receitas anuais de cerca de 2 mil milhões de dólares. A técnica agora desenvolvida pode, ainda, ser estendida a sistemas biológicos, a fim de obter uma melhor compreensão dos mecanismos de transporte de calor ao nível celular.
Texto e foto: UA