A ideologia política não conta para o grau de trabalho de círculo que os deputados portugueses fazem na Assembleia da República. Esta é uma das principais conclusões de um estudo realizado na Universidade de Aveiro (UA) que procurou perceber que fatores influenciam a maior ou menor orientação regional do trabalho dos deputados. “O tipo de partido a que pertencem, o lugar na lista em que foram eleitos e a posição do seu partido no parlamento”, refere o autor do estudo Dinis Amaral, são os grandes fatores que mais influenciam a escolha dos deputados por temas de âmbito local ou regional.
“Do ponto de vista absoluto, esta investigação demonstra que 41,7 por cento das perguntas e requerimentos apresentados pelos deputados no parlamento português, durante a X Legislatura [de 2005 a 2009], refletem trabalho desenvolvido em prol do círculo eleitoral que os elegeu”, aponta Dinis Amaral, autor do estudo realizado no âmbito do Mestrado em Ciências Políticas, orientado pelo politólogo Carlos Jalali, e que lhe valeu um 19 de nota final.
O resultado global, contudo, não reflete, nem as diferenças do ponto de vista da ideologia política entre partidos - “os dois partidos cujos deputados fazem mais trabalho de círculo são o PCP e o CDS-PP” - nem as diferenças entre deputados. Com efeito, esclarece o estudante do Departamento de Ciências Sociais, Políticas e do Território da UA, “se uns deputados fazem muito trabalho de círculo, isto é, demonstram muita preocupação com assuntos individuais ou coletivos do seu círculo eleitoral, nas perguntas e requerimentos que fazem, outros não focam tanto essa questão”.
De forma a apurar que fatores influenciam verdadeiramente a orientação nacional-local da atividade individual dos parlamentares, Dinis Amaral analisou as perguntas e requerimentos apresentados por todos os deputados inicialmente eleitos para a X Legislatura, exceto aqueles que assumiram funções no Governo e aqueles que permaneceram no parlamento durante menos de 100 dias. Assim, dos 230 deputados inicialmente eleitos, Dinis Amaral analisou o trabalho de 198 parlamentares (93 do PS, 71 do PSD, 12 do PCP, 12 do CDS-PP, 8 do BE e 2 do PEV), eleitos pelos 22 círculos eleitorais do país.
“Esta investigação demonstra que, apesar da forma como os candidatos são selecionados pelos partidos, da organização dos próprios partidos, e do sistema eleitoral português aparentemente não fornecer incentivos ao trabalho de círculo, em Portugal os deputados fazem trabalho de círculo. O que varia é o seu grau”, afirma Dinis Amaral.
De uma maneira geral, aponta o autor, “a proximidade dos deputados ao líder está associada ao grau de trabalho de círculo que eles fazem, isto é, deputados que exerceram cargos políticos de elite nas bancadas parlamentares e aqueles que já foram ministros, que assumem uma posição quase senatorial no parlamento, tendem a ter uma preocupação com temas mais gerais e menos de círculo”.
O estudo demonstra ainda que há uma relação inversa entre o tempo no parlamento e o trabalho de círculo. Ao contrário, os deputados eleitos como cabeças de lista fazem mais trabalho de círculo do que os restantes. “Mas aqui há um dado importante a reter”, sublinha Dinis Amaral. É que “os cabeças de lista do PCP são os verdadeiros carregadores do piano”.
Ser ou não do partido que está no Governo, estar ou não presente nos media, e o grau de ligação dos deputados ao círculo eleitoral, também influenciam a atividade dos deputados. “Deputados do partido do Governo, deputados com presença regular nos media, e deputados com fracas ligações ao círculo eleitoral por onde foi eleito, fazem menos trabalho de círculo”, refere.
“Por termos um parlamento de partidos, isto é, onde existem partidos fortes, o trabalho individual dos deputados portugueses não tem merecido grande atenção das academias”, constata Dinis Amaral.
Tendo em conta que o trabalho de círculo aumenta a proximidade entre eleitos e eleitores e que “o baixo grau de qualidade que é atribuído pelos cidadãos à democracia portuguesa é, sobretudo, influenciado pela perceção de que os parlamentares não atendem às expectativas e interesses dos eleitores”, alargar, aprofundar e divulgar o estudo sobre o trabalho de círculo que é feito em Portugal, deseja o jovem investigador, “poderá contribuir para uma melhoria das perceções dos cidadãos e, consequentemente, para o aumento da qualidade da nossa democracia”.
Texto e foto: UA