África…Terra Nova - XXIII
Hoje em mais uma edição do "África…Terra Nova", o professor António Batel Anjo fala sobre a probreza.
A pobreza mata!
Batel Anjo
Maputo, 26 de Março de 2020
A política isolacionista, que é bem diferente da necessária e racional contenção de contacto social no desenvolvimento de uma epidemia, coloca em causa o que sabe sobre a imunidade de grupo nas estratégias de contenção de uma doença nova.
Falar de imunidade de grupo parece, hoje, uma estratégia mal-intencionada inventada por gente com problemas mentais e são logo acusados de não se incomodam com a sorte d seus concidadãos.
Quando eramos pequenos, mal um dos nossos amigos apanhava uma dessas doenças que não têm grandes riscos em criança, mas que podiam ser perigosas mais tarde (rubéola, sarampo, papeira, tosse convulsa) todos nós eramos infectados rapidamente. O conceito de isolamento social não existia porque era preferível ter meia dúzia doentes ao mesmo tempo que ir tendo a mesma meia dúzia doente um a um ao longo do tempo, mas era sobretudo para nos tornar imunes a essas doenças.
A imunidade de grupo funciona sobretudo para os membros do grupo que, por qualquer razão, não têm imunidade à doença: quanto maior for a proporção do grupo que é imune, menor a probabilidade de contagiar quem não tem imunidade.
No fundo, obtém-se o que se pretende com o isolamento social: quebrar as cadeias de contágio.
A discussão sobre as melhores formas de lidar com a epidemia em curso não é sobre se é melhor ou não é melhor haver imunidade de grupo, claro que é e que ela ir-se-á instalando de qualquer maneira.
A melhor opção seria haver uma vacina e criar imunidade individual, mas também de grupo para proteger os que não pudessem ser imunizados.
As vacinas nasceram, aliás, desta necessidade de limitar os riscos dos processos de imunização conhecidos na altura, no caso, do processo de variola que consistia em infectar voluntariamente alguém para a imunizar, procurando-se que a doença tivesse um desenvolvimento menos agressivo e poupasse o paciente, o que nem sempre acontecia.
Sem uma vacina, as infecções cujos efeitos queremos limitar podem representar riscos suficientes para que não possamos simplesmente deixá-las avançar sem qualquer reacção da nossa parte.
A discussão sobre o papel da criação de imunidade de grupo num contexto como o da Covid só existe porque:
há quem defenda a supressão da infecção, para ganhar tempo até que haja uma vacina;
há quem tema que suprimir a infecção sem garantir imunidade suficiente em grupos alargados de pessoas é manter a vulnerabilidade que permitiu a eclosão do actual surto.
Nestas circunstâncias todos estão de acordo: é preciso proteger os mais frágeis, neste caso os idosos e os doentes. Também todos estão de acordo que é preciso atrasar o desenvolvimento da epidemia tanto quanto possível e razoável face aos efeitos secundários das medidas de contenção social possam ter.
Há quem esteja convencido de que em qualquer altura se podem obter os resultados que se teriam obtido se a contenção tivesse funcionado, e por isso clamam por medidas progressivamente mais graves para a economia e progressivamente menos eficazes na contenção da epidemia.
Não há uma forma única de olhar um problema: o problema pode ser o mesmo, mas o contexto é diferente.
Em Moçambique, onde o sistema de saúde é muito frágil e não chega a toda a população, usar as medidas que estão a ser usadas na Ocidente tem tudo para correr mal. Não temos o conceito de isolamento social e todos os dias se morre, em grande escala, de malária, cólera e ébola, para não mencionar mais doenças. Se o sistema de saúde é débil, a economia não é melhor e proteção social não existe. Em Moçambique, sabemos que a pobreza mata mais que qualquer vírus. porque traz com ela a fome e as outras doenças.
Seria bom não propagar cenários apocalípticos e de deixar de pressionar os governos para arranjarem soluções mágicas de efeitos imediatos. O unanimismo e a falta de discussão aberta tolhem o discernimento e no fim da epidemia, uma coisa é certa, saberemos todos que a pobreza também mata.
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Música
Sheila Jesuita
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