Bioliving pede atenção a casos de envenenamento na vida selvagem.

Apesar da diminuição de casos de envenenamento de vida selvagem em Portugal a Bioliving diz que o tema merecer atenção e aprofundamento.

A associação estudou o tema e revela que há, “pelo menos”, dois casos suspeitos de envenenamento de vida selvagem, por mês, em Portugal, e em clima de “impunidade” quase total.

O uso de venenos para matar animais selvagens ou domésticos, apesar de constituir um crime punível com pena de prisão, continua, segundo a BioLiving, a ser “prática relativamente comum em Portugal e no Mundo, que põe em risco a biodiversidade, os animais domésticos, e também as pessoas”.

Fala do uso de venenos como a estricnina, substâncias altamente tóxicas e mortais, proibidas há muitos anos em Portugal, e fitofármacos ou pesticidas adquiridos com relativa facilidade. 

Apesar dos perigos sérios e da legislação existente, o uso de venenos permanece uma prática comum em muitos países, e Portugal não é exceção.

“O envenenamento é uma das principais ameaças à conservação da biodiversidade, e tem impactos severos, principalmente sobre espécies já em risco. Os venenos podem mesmo causar a extinção de populações silvestres a nível local ou regional, e impactar ecossistemas inteiros de forma devastadora”.

Em Portugal, a associação regista redução do número de casos com suspeitas de envenenamento mas entende que o uso ilegal de venenos ainda representa uma ameaça significativa para a vida selvagem.

Para ajudar a combater este problema, o projeto LIFE Aegypius Return – que se foca na conservação do abutre-preto (Aegypius monachus) no nosso país e no oeste de Espanha – promove uma estreita cooperação com a Guarda Nacional Republicana (GNR) e o seu Serviço de Proteção da Natureza e do Ambiente (SEPNA), bem como com o Programa Antídoto Portugal (PAP), coordenado pelo Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF).

O PAP é o programa oficial responsável por garantir que todos os casos suspeitos de envenenamento sobre espécies ameaçadas e prioritárias sejam formalmente investigados e que as provas sejam recolhidas e analisadas de acordo com a cadeia de custódia estabelecida.

O projeto LIFE Aegypius Return prevê também o reforço das capacidades de intervenção da GNR.

Neste contexto, três novos cães estão a concluir o treino especializado para deteção de venenos, para posterior integração no Grupo de Intervenção Cinotécnica (GIC).

O projeto LIFE Aegypius Return publicou recentemente um relatório que analisa os dados de casos suspeitos de envenenamento registados pela GNR/SEPNA desde 2021, comparando-os também com dados anteriores (de 2013 a 2018), compilados no âmbito do projeto LIFE Imperial, que se focou na conservação da águia-imperial-ibérica (Aquila adalberti), uma espécie Criticamente em Perigo. 

O relatório apresenta ainda dois casos de estudo, para melhor compreensão das dinâmicas e limitações inerentes à deteção e investigação de casos suspeitos.

Os dados compilados indicam que, de janeiro de 2013 até junho de 2024, a GNR/SEPNA registou 225 casos suspeitos de envenenamento, que afetaram 385 animais domésticos e selvagens terrestres. Durante esse período, foram afetados números significativos de espécies protegidas e ameaçadas, entre as quais o milhafre-real (Milvus milvus, 71 indivíduos), a águia-imperial-ibérica (16 indivíduos), o abutre-preto (9 indivíduos) e o lobo-ibérico (Canis lupus signatus, 3 indivíduos).

Analisando apenas o conjunto de dados mais recente, registados pela GNR/SEPNA desde janeiro de 2021, foram registados em Portugal continental 84 casos em que os indícios apontavam para envenenamento, numa média de dois casos por mês.

Estes casos resultaram na morte de um total de 131 animais terrestres.

Sempre que possível, durante a investigação destes casos suspeitos são recolhidas amostras, como os iscos ou cadáveres eventualmente detetados, bem como solo ou outros materiais potencialmente contaminados, que são encaminhados para análises nos laboratórios de referência.

Na base de dados da GNR, a confirmação do uso de venenos apenas consta em 9 dos 84 casos registados desde 2021.

Esses casos causaram a morte de 12 animais: três milhafres-reais, três raposas, um grifo, e ainda quatro cães e um gato doméstico.

A limitação técnica dos laboratórios oficiais portugueses em detetar a presença de venenos nas amostras recolhidas em campo é uma das grandes restrições à aplicação integral do PAP e à instrução dos processos.

Por vezes, as contra-análises efetuadas às mesmas amostras, a pedido de organizações não governamentais de ambiente (ONGA) noutros laboratórios com equipamento mais moderno e mais sensível a menores dosagens, têm revelado resultados positivos que, não se enquadrando na cadeia de custódia oficial, não têm validade legal na instrução formal dos processos, que acabam arquivados com base em falsos negativos.

Outro constrangimento é que o protocolo formal do PAP nem sempre é totalmente aplicado em todas as fases do processo, seja devido à limitação de recursos humanos e técnicos, à incapacidade de resposta imediata de todas as partes envolvidas, ou a obstruções burocráticas demoradas, que não se compadecem com a necessidade de atuação urgente destes casos.

A BioLiving diz, ainda, que a decisão final dos casos depende ainda da avaliação de Procuradores e Juízes que têm diferentes sensibilidades ao crime ambiental.

“Num sistema em que os recursos são escassos, muitas vezes os crimes contra a vida selvagem acabam por não ser priorizados e são arquivados, por falta de identificação de suspeitos e prova após uma investigação básica”.

Certo é que, em Portugal, são quase inexistentes os casos de condenação em casos de envenenamento de animais selvagens, o que “perpetua um certo sentimento de impunidade”, face à complexidade na identificação destes suspeitos.

“Embora, de um modo geral, haja uma maior atenção aos crimes contra a vida selvagem, e uma intensificação dos esforços para travar e combater estas práticas ilegais, tanto a perceção pública quanto o sistema legal estão ainda longe do que seria necessário e desejado”.