Entre a Islândia e a África Ocidental, voam durante 5 dias e 5 noites mais de 5500 quilómetros sobre o Atlântico Norte sem uma única paragem e atingindo velocidades de ponta entre os 65 e os 86 quilómetros por hora. O feito é ainda mais incrível se se tiver em conta que, para além de não se alimentarem nem hidratarem, não planam durante toda a viagem. O recordista chama-se maçarico-galego e o estatuto de verdadeiro campeão olímpico é confirmado por José Alves, o biólogo da Universidade de Aveiro (UA), que num artigo publicado na revista Scientific Report, desvenda a “surpreendente”, e até agora desconhecida, prova de resistência desta ave.
Para o maçarico-galego os voos intercontinentais são um requerimento do seu ciclo anual. Estas aves que se reproduzem na Islândia vão todos os anos passar o inverno a África Ocidental, quando o ártico está sob um manto de neve e gelo. Mas como é que esta ave terrestre alcança estas paragens distantes? Um artigo publicado no último número da revista Scientific Report (grupo Nature), liderado por José Alves, investigador do Departamento de Biologia e do Centro de Estudos do Ambiente e do Mar da UA, revelou uma estratégia inesperada em que os maçaricos voam mais de 5500 quilómetros sobre o Atlântico Norte voando de forma contínua por 5 dias e 5 noites para chegar ao seu destino na Guiné-Bissau.
Os dados foram recolhidos graças à utilização de geolocalizadores com um grama de peso colocados em dez aves em junho de 2012, na Islândia. Destas, e depois de uma viagem de ida e volta de cerca de 11 mil quilómetros, apenas sete regressaram ao mesmo local em junho de 2013. E dos quatro aparelhos que os investigadores conseguiram recuperar com todas as informações de voo, a equipa de José Alves registou que duas das aves fizeram uma paragem de 11 e 15 dias no voo de regresso de África e as outras duas apresentaram um incrível registo de zero paragens. Entre os dois animais, José Alves destaca o desempenho do macho que conseguiu atingir uma velocidade máxima de mais de 86 quilómetros por hora no voo que começou na Islândia, no outono, e acabou em África.
Estes voos são ainda mais surpreendentes porque outras espécies que migram nesta mesma rota fazem paragens para se alimentar e descansar, como já foi comprovado por José Alves, por exemplo, com o milherango. Contudo os quatro maçaricos seguidos (dois machos e duas fêmeas) fazem estes voos tanto na direção para sul (todos os indivíduos) como para norte (um macho e uma fêmea), sendo que nesta última viagem há alguns que param na Irlanda (um macho e uma fêmea). “Para aquelas aves que voam para norte sem parar o risco é altíssimo, pois a fase final do voo é frequentemente associada a fortes ventos frontais e algumas acabam por morrer mesmo após terem aterrado no seu destino, como foi por nós observado”, conta José Alves. As aves que fazem uma paragem nas suas migrações, explica o biólogo, “podem descansar e repor os seus níveis de hidratação e reservas energéticas, mas chegam consequentemente mais tarde as áreas de reprodução na Islândia”.
Apesar disso, não se registaram diferenças nas datas de postura sugerindo que fatores alternativos aos custos de tempo e energia associados a migração, são mais determinantes das datas de postura nos curtos verões árticos. Ainda assim, aponta o investigador da UA, há que salientar o reduzido tamanho amostral deste estudo que está, atualmente, a ser expandido na UA pelo aluno de doutoramento Camilo Carneiro. Nestes estudos agora em curso vão-se investigar as potenciais vantagens desta estratégia. Entre elas, por exemplo, poderá estar o facto de os indíviduos que chegam às zonas de reprodução em primeiro lugar poderem obter os territórios de maior qualidade, nomeadamente com maior densidade de recursos alimentares.
A dificuldade em obter muita informação prende-se com a tecnologia usada para o seguimento destas aves. Uma vez que fazem voos muito longos os aparelhos usados têm de ser ultraleves sob risco de influenciarem a sua performance. Os investigadores usam aparelhos denominados geolocalizadores que pesam apenas cerca de um grama e são colocados numa anilha na parte superior da pata.
Além de possuírem um pequeno relógio, explica José Alves, “os geos possuem um sensor que mede a intensidade de luz, permitindo determinar o nascimento e ocaso do Sol”. Esta informação possibilita calcular a duração do dia e a hora do meio dia, que diferem nos vários locais do planeta a cada dia do ano (com a exceção dos equinócios), indicando assim a localização do aparelho e portando da ave que o transporta e logo os seus movimentos migratórios.
Além das distâncias incríveis que percorrem, estas aves voam também a grandes velocidades chegando a atingir entre os 65 e os 86 quilómetros por hora. “Estas altas velocidades são na sua maioria conseguidas com ventos favoráveis, sendo consideravelmente mais baixas com ventos contrários, pese embora a velocidade no ar possa ser muito similar, independentemente da força e direção dos ventos”, aponta José Alves.
Assim, e mesmo sem consumir nada ‘a bordo’, os maçaricos-galegos fazem estes voos intercontinentais sem recurso a uma estratégia ‘low cost’ com pouco combustível, pois o custo de falhar o destino sem reservas suficientes é demasiado alto.
Fonte: UA