Gonçalo Santinha defende papel de relevo para as autarquias no futuro da saúde pública.

Gonçalo Santinha, Professor e Investigador na UA, assina o artigo de opinião da Plataforma Cidades e, desta vez, em destaque, a saúde surge em primeiro plano.

Artigo integrado num ciclo que aborda o pós pandemia olhando para questões como o alojamento e a educação.

Desta vez na “Agenda Cidadã 2030” procura aprofundar e integrar temas e identificar desafios e respostas necessárias à melhoria sustentada da vida coletiva.

O autor aborda o papel das autarquias neste futuro admitindo que possam ter papel crucial no bem estar dos munícipes logo que assumam competências nesta área.

A pandemia veio colocar esta questão na agenda e acelerar a reflexão sobre o papel que o poder local pode desempenhar na saúde pública.

 

1.

O princípio de Pareto, também conhecido pela regra 80/20, é usado para explicar muitos fenómenos. De uma forma simples, este princípio diz-nos que 20% dos fatores são responsáveis por 80% dos efeitos observados.

 

Embora com menos projeção científica e mediática, é possível encontrar no campo da saúde alguns estudos que apontam para a sua observação. Senão vejamos:

> 20% de certas doenças infetocontagiosas são responsáveis por 80% da transmissão (como é o caso da Covid-19);

> A combinação de um número reduzido de fatores de estilo de vida saudável está associada a uma redução até 80% no risco de desenvolver doenças crónicas;

> No caso português, a verba pública que tem sido aplicada à promoção da saúde e à prevenção da doença continua a ser insignificante, sendo que quase 80% das despesas são utilizadas nos cuidados curativos, de reabilitação e continuados.

 

2.

O atual momento reveste-se de particular importância para uma forte intervenção no domínio da saúde pública.

Por um lado, porque estes efeitos de crise tendem a agravar o fosso das desigualdades sociais e a aumentar a fragilidade das relações sociais e da solidariedade.

Por outro, porque acrescenta aos efeitos negativos provocados pela crise económico-financeira de 2008, impactos diretos na saúde com a consequente pressão sobre o Serviço Nacional de Saúde e os outros sistemas sociais.

 

É neste domínio que as autarquias podem desempenhar um papel extremamente importante. São atores privilegiados para desenvolver uma política de proximidade com os diversos agentes da sociedade civil e promover uma participação ativa da comunidade na definição de uma clara Estratégia Municipal de Saúde.

 

3.

Uma Estratégia [Municipal de Saúde] que contemple linhas gerais de ação, metas, indicadores, atividades, recursos e calendarização e que encontre soluções para fazer frente ao agravamento de condições sociais e económicas do período atual e antecipe fenómenos atípicos similares.

 

Iniciado formalmente em 2019, o processo de descentralização administrativa atualmente em curso até 2021 prevê precisamente a elaboração das referidas Estratégias Municipais de Saúde.

…No entanto, somente cerca de 20% dos municípios portugueses é que aceitaram incluir a saúde no pacote de descentralização nestes dois anos.

É certo que se trata de um desafio diferente e adicional ao papel que as autarquias locais já desempenham.

Mas urge passar de 20% para pelo menos 80%. E os apoios científicos, institucionais, financeiros e populares não faltam, nem seguramente faltarão: - Está em ‘jogo’ a Saúde de todos nós.