Prémio Virgínia Quaresma para filósofa Luce Irigaray e para tese sobre street art.

2022-11-23 14:28

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A Universidade de Aveiro (UA) anuncia os resultados da segunda edição do Prémio Internacional em Estudos Culturais Virgínia Quaresma.

O Prémio Carreira foi outorgado à filósofa e feminista belga Luce Irigaray pela sua sólida e profícua carreira científica.

O Prémio Melhor Tese de Doutoramento em Estudos Culturais foi atribuído a Sofia Pinto, por tese em Estudos de Cultura defendida em 2021, na Universidade Católica Portuguesa, e orientada por Alexandra Lopes e Mathias Danbolt.

O Prémio Internacional em Estudos Culturais Virgínia Quaresma é promovido pela UA, com o apoio da Rede Internacional em Estudos Culturais (RIEC) e da Rede Nacional em Estudos Culturais (RNEC) e, desde a primeira edição, conta com o patrocínio da Direção Regional de Cultura do Centro, de Portugal.

Em 2022 o prémio recebeu a submissão de 39 candidaturas, mais 12 relativamente à edição anterior. No total, foram submetidas teses de 20 instituições, oito delas nacionais e 12 internacionais, dos EUA, Argentina, Colômbia e Brasil.

Também nesta edição, o Prémio Virgínia Quaresma atribuiu duas menções honrosas.

A Nicola José Frattari Neto, pela tese A Classe Trabalhadora e Seus Lugares: modos de vida dos de baixo nas terras às margens do Tijuco, Minas Gerais (1850-1950), defendida em 2022, na Universidade Estadual de Campinas (Brasil), no Programa Doutoral em Educação, sob a supervisão de Débora Mazza, e a Mara Pieri, pela tese Chroniqueers: time, care and visibility in narratives from queer people with a chronic illness, defendida em 2021, na Universidade de Coimbra (Portugal), no Programa Doutoral Human Rights in Contemporary Societies, sob a supervisão de Bruno Sena Martins e Elia Arfini.

 

Prémio Carreira

 

O Prémio Carreira é atribuído a uma personalidade que tenha promovido uma dimensão crítica e interventiva, teórica ou prática, dentro ou fora da academia, nas temáticas abordadas pelos Estudos Culturais. O prémio nesta categoria é constituído pelo valor monetário de 1.500€.

O prémio para a tese vencedora consiste na certificação, edição e publicação da obra em e-book, em acesso aberto, com a chancela do Prémio Melhor Tese em Estudos Culturais Virgínia Quaresma 2022, da UA e Direção Regional de Cultura do Centro e a sua divulgação no site oficial do prémio.

 

Luce Irigaray, filósofa e feminista, distinguida na categoria Carreira

 

Luce Irigaray, psicanalista, filósofa e feminista, nasceu a 3 de maio de 1930, em Bernissart, na Bélgica, onde cursou Psicologia e Psicopatologia, na Universidade Católica de Leuven.

Em 1959, mudou-se para França, com o objetivo de prosseguir os seus estudos no ensino superior, na Universidade de Paris VIII (Vincennes), onde se doutorou em Linguística, em 1968.

A autora, ligada ao feminismo europeu, é uma teórica, cujo escopo disciplinar vai desde a filosofia, passando pela psicanálise até à linguística. É uma investigadora que se debruça fundamentalmente sobre a exclusão/invisibilização das mulheres na cultura, com especial enfoque na história da filosofia, no sistema linguístico e na psicanálise.

Desde cedo se mostrou particularmente crítica do sistema patriarcal e do falocentrismo, posição essa que lhe criou muitas dificuldades enquanto professora universitária, por ter sido considerada demasiado radical.

O seu primeiro livro, fruto da sua tese de doutoramento, intitulado Speculum: de l’autre femme (1974), levou-a à expulsão da École Freudienne de Paris, instituição fundada, em 1964, por Jacques Lacan, por criticar as psicanálises freudiana e lacaniana.

A crítica de Luce Irigaray ao conhecimento científico, falocraticamente construído e imposto, fê-la pagar um preço profissional muito caro: impediu-a de prosseguir com a sua carreira como professora universitária na Universidade de Paris VIII - Vincennes.

A partir de 1964, Irigaray manteve apenas a posição de investigadora no Centro Nacional de Investigação Científica, em Paris (CNRS). Desde 2003 ministra seminários de apoio a doutorandos estudiosos das suas obras, sendo inegável o contributo do seu trabalho para muitos movimentos e autoras/autores feministas, como Judith Butler, Rosi Braidotti, Paul Preciado, entre outros.

Irigaray defende um mundo, onde a abordagem teórica e intelectual de uma compreensão sobre a diferença sexual se deve situar fora do discurso masculino. O contributo teórico irigariano passa pelo desenvolvimento da teoria sexual da diferença, denunciando não só a exclusão da mulher (como Outro-não sujeito) da matriz do poder, como também a vertiginosa e falocêntrica obsessão teórica sobre a origem do prazer feminino sob o signo determinista da vagina, como arma patriarcal de subjugação das mulheres. Em tempos de democracia ameaçada, Luce Irigaray vê a democracia como prática de igualdade e amor, constituindo uma forma política de escapar à exploração do outro pelo outro, que passa essencialmente pela crítica da redução dos sujeitos à mera condição de objeto para fins produtivos e reprodutivos.

 

O graffiti e a street art no espaço urbano, leitura queer e feminista

 

É na originalidade e transgressão dos padrões normativos que a tese de Sofia Pinto, intitulada Urban Failures & Other Imaginations: Walking, Writing, and Transgressing the Gendered City, se situa. Desenvolvida no âmbito do Doutoramento em Estudos de Cultura e defendida em 2021, na Universidade Católica Portuguesa, esta tese foi orientada por Alexandra Lopes e Mathias Danbolt. A tese de Sofia Pinto articula a street art, o graffiti e as práticas ou performances de intervenção e resistência em superfícies urbanas com uma análise disruptiva de padrões normativos no espaço público, seguindo uma perspetiva política, interdisciplinar, intercultural, feminista e queer, que discute as questões de poder, as políticas do fazer, representatividade, performatividade e narração.

Os espaços públicos do dito e não-dito espelham produções sob o signo do anonimato e da vulnerabilidade/precariedade, que constituem uma oposição que questiona a norma/regra e a “visão neoliberal do espaço urbano”, segundo a autora. A tese faz uma leitura alternativa do espaço da cidade, atravessado por desigualdades de género e as suas transgressões/resistências, desafiando e discutindo o potencial político e as limitações para as mulheres no mundo do graffiti e da street art desde a sua produção até à sua receção.

Para o júri da 2ª edição do Prémio, além da “originalidade do estudo e da sustentação teórica sólida, a tese segue um caminho metodologicamente criativo, realizando uma investigação etnográfica, entrevistas, imersão no território real e virtual, observação participativa a par de uma criteriosa análise de texto e imagem, que questiona e impacta a realidade contemporânea, tanto em Portugal como no Brasil”.

 

texto: UA